Guaxupé, quinta-feira, 2 de maio de 2024
Rodrigo Fernando Ribeiro
Rodrigo Fernando Ribeiro Psicologia e Você Rodrigo Fernando Ribeiro é psicólogo (CRP-04/26033).

O crente no divã

quinta-feira, 24 de agosto de 2023
O crente no divã Imagem: Divulgação

Temos visto uma crescente busca da comunidade evangélica por atendimento psicológico.
 
Pode ser crise de fé? Sim. Pode ser. Quando as pessoas se angustiavam ou ficavam demasiadamente ansiosas e aflitas perante as tribulações, Jesus de Nazaré usava as seguintes expressões: "homens de pouca fé", "homens fracos na fé", "quando eu voltar encontrarei fé na terra?".
 
Pode ser opressão institucional? Pode ser também. Tudo o que é reprimido na mente frequentemente volta deformado na conduta. 
 
O indivíduo que não busca consciência crítica, não se liberta da alienação, se sente marionete nas mãos de algum mau pastor, se sujeitando às perversidades sem reagir à uma submissão injusta, escandalosa e arbitrária, se arrastando na melancolia, envergonhado, exposto, humilhado, arrasado pelo sentimento de culpa, amedrontado pela falta de perdão, pela impossibilidade de reconciliação consigo mesmo, com Deus e com as demais pessoas (família, comunidade, igreja), esse indivíduo então se desespera, gerando nele mesmo transtorno psíquico, desequilíbrio emocional, às vezes condutas bizzaras - veladas ou explícitas -,  e a necessidade espontânea de buscar ajuda, ou dar fim à própria existência.
 
O que notamos também, na procura crescente por atendimento psicológico entre as comunidades evangélicas, é uma maior quebra de preconceito. 
 
Pessoas crentes procuravam médicos, dentistas e fisioterapeutas naturalmente. Mas quando se tratava da mente, os crentes tinham receio de procurar psicólogos, pois poderia ser falta de fé ou tão somente a presença influente e destruidora do Diabo, casos então que deveriam ser resolvidos unicamente na própria igreja, com aconselhamento pastoral e orações. Também os crentes tinham medo de ser sinal de loucura ou presença de psicopatologias, psicossomatizações. Sentiam vergonha de tudo isso. 
 
Note bem: Ninguém se envergonha de ter uma cárie dentária, uma pedra na vesícula, um desgaste no joelho, ou uma dor nas costas por exemplo. Mas falou em doença mental, vem logo o preconceito, o medo de rotulação, incompreensão, exclusão, deboche, zombaria etc. 
 
Aos poucos, felizmente, muitas pessoas crentes têm conseguido fazer o correto discernimento - mesmo às vezes a contragosto de algum pastor precariamente formado e mal informado sobre os avanços da ciência. 
 
Apesar disso, o crente de bom senso sabe que a ajuda psicológica existe, é um direito. Por isso procura e se beneficia da ajuda. O crente então aprende que angústia de alma, lidar com sensações, percepções, sentimentos, emoções, temperamento, traços de caráter, personalidade, relações interpessoais enfim, são fenômenos humanos, psicológicos, pertencentes à complexa mente humana, e cuidar da saúde mental, no sentido de buscar ajuda profissional da Psicologia, quando necessário, não é falta de fé. 
 
Verdadeiramente em muitos casos não é falta de fé. São apenas dificuldades humanas, naturais, contingenciais, podem ser psicopatologias herdadas, outras adquiridas, das quais precisam ser acolhidas, tratadas. E tratadas com fé! 
 
A fé do crente só o ajuda no tratamento - em qualquer tratamento, seja ele físico ou mental.
 
Buscar auxílio com profissionais da mente humana (psicólogos e eventualmente psiquiatras) é sinal de bom senso, inteligência, sensibilidade e respeito a Deus que tem, nos cientistas, seus auxiliares.
 
A internet tem ajudado a divulgar essa informação de ruptura preconceituosa e quebra de superstições, facilitando muito essa compressão por meio de alguns bons pastores conhecedores da Psicologia, que reconhecem a importância da psicoterapia, pois ela oportuniza o privilégio do autoconhecimento. 
 
A Patrística, dentro do contexto cristão católico, já manifestava, há séculos, tal discernimento a respeito do valor do autoconhecimento.
 
Os primeiros padres católicos da Igreja de Jesus já conseguiam intuir, perceber e compreender que, por meio do autoconhecimento, o ser humano não tinha um encontro apenas consigo mesmo, com sua história de vida, com a sua mente ou sua alma, mas também tinha a oportunidade de ter um encontro com Deus, uma experiência pessoal com Cristo.
 
Portanto, a pessoa crente que tem coragem de se autoconfrontar e fazer dessa jornada fascinante e inesquecível uma melhor capacitação em autocontrole, convivência, diálogo e compaixão, além de usufruir do saber psicológico, renovando a mente e aperfeiçoando o comportamento frente às normas da civilidade, será uma pessoa mais realizada, pacífica e feliz.
 
Terá também a chance e a oportunidade de fortalecer a fé, tornando-a mais limpa, sem os fantasmas da inconsciência nem as ameaças do fanatismo excludente, desfigurante, despersonalizante e doentio. 
 
Quando o crente encontra um profissional da saúde física ou mental que concebe o ser humano como um ser espiritual passando por uma experiência na terra, e faz do tratamento um encontro humilde, sincero e gentil, o resultado será certamente satisfatório, comprovatório e testemunhal.
 

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