Produtores de Monte Santo e São Sebastião da Grama colhem primeiro café com menor pegada de carbono
Eles foram selecionados entre 40 outros produtores pela Yara Fertilizantes para utilizarem um adubo produzido a partir de uma fonte renovável
O casal Juliana e Flávio Pereira Mello, e Diogo Dias Teixeira de Macedo administram duas fazendas de café que estão a cerca 90 km de distância uma da outra.
Uma fica no município mineiro de Monte Santo de Minas-MG e a outra está em São Sebastião da Grama- SP.
O modo de cultivo também é diferente.
A primeira é mecanizada e a segunda, toda manual.
Mas, juntos, eles totalizam 371 hectares de árvores que vivem por 30 anos, o que significa que elas retém carbono pelo mesmo período.
É uma espécie de bunker.
Agora, esses produtores querem ir além na missão de produzirem um café de baixíssimo carbono e adotaram um fertilizante que foi fabricado a partir de uma fonte renovável.
Os primeiros frutos com pegada de carbono reduzida já foram colhidos.
Com outros 38 produtores, eles foram selecionados pela Yara Fertilizantes, multinacional norueguesa especializada em fertilizantes à base de nitrogênio, em parceria com a Cooxupé, maior cooperativa de cafeicultores do mundo, para utilizarem um adubo produzido a partir de biometano, que pode reduzir em até 40% a pegada de carbono do grão de café, em novembro do ano passado.
Para os cafeicultores, utilizar um adubo mais sustentável é mais do que preservar o meio ambiente.
É uma forma de agregar valor ao café brasileiro.
“Abracei a ideia do fertilizante porque a qualidade seria mantida com mais sustentabilidade”, diz Flávio, engenheiro agrônomo que junto com a esposa, Juliana, administra a Fazenda Nova Aliança de 264 hectares, sendo 150 de café, 58 hectares de mata preservada e 20% de reserva legal exigida pela lei, em Monte Santo de Minas, município a 434 quilômetros de Belo Horizonte.
“Nós já temos um compromisso muito grande em conservação do solo. Usamos uma mistura de extratos de plantas, como tomilho, melaleuca, alho, extrato de cactus, para adubar naturalmente”, afirma.
O produto foi aplicado inicialmente em 5 hectares.
A casa onde o casal vive é amarela em tom pastel, possui janelas azuis e foi construída em 1917.
Dentro, uma visita ao passado.
Tudo ali remonta ao colonialismo, dos móveis de madeira, da janela que não fecha ao fogão a lenha.
“Quando criança, eu passava a colheita toda aqui. Quando não era boa, não tinha presentes e eu via meu pai triste. Então, cresci de cara feia para o café e o agro em geral. Me formei em direito e trabalhei nessa área a vida toda”, conta Juliana.
“Hoje sou cafeicultora e casada com um engenheiro agrônomo”, diz aos risos.
Ela é da quinta geração de produtores da família, que começou a plantar café nos anos 1880.
Do lado de fora do portão de entrada da casa, a inovação dá o nome.
A produção de café é mecanizada.
Em época de colheita, além de usarem a única colheitadeira que tem, Juliana e Flávio contam com 23 funcionários.
“Em ano de colheita alta, colhemos 10 mil sacas de 60 quilos. Em ano de baixa, como esse, vai em torno de 3 mil sacas”, afirma Juliana.
A sustentabilidade também é um pilar.
“Meu pai já era do time contra colocar fogo na mata. Hoje, nós elevamos o nível. Se tiver uma árvore no meio dos pés de café, o café vai ser colhido, mas sem que a máquina passe perto dessa árvore”, explica Flávio.
“Reciclamos todo lixo produzido na fazenda, temos placas de energia solar e contamos com uma fossa séptica para captar esgoto e não despejar no rio”, completa Juliana.
O rio a que se refere é o Rio Grande, curso de água que banha os estados de Minas Gerais e São Paulo.
O cuidado com os recursos naturais no entorno da fazenda, a responsabilidade com os funcionários e a qualidade do café produzido na Fazenda Nova Aliança são dois fatores valorizados pelos exportadores do grão.
Há 12 anos, a Inglaterra é o principal cliente direto de Juliana e Flávio, mas eles também embarcam seu café para compradores na Irlanda e Nova Zelândia.
“Todos os anos recebemos visitas deles para checar os padrões de qualidade e sustentabilidade da fazenda”, diz Juliana, que criou projetos de alfabetização para funcionários da fazenda e está investindo em uma brinquedoteca para as crianças.
“Eu sou o social e o Flávio é o ambiental”, brinca ela.
O principal cliente é a Ozzone Coffee, torrefadora de cafés especiais fundada na Nova Zelândia em 1988, mas que também opera no Reino Unido.
“Fomos para Inglaterra uma vez e decidimos ir à cafetaria provar o nosso café. Chegando lá, eram dois andares que eram divididos por um espelho e no debaixo, era a parte de torrefação. Lá tinha uma pilha com as nossas sacas. Sai de lá chorando”, lembra Juliana.
“O que eles querem da gente é a manutenção da qualidade do café, exatamente nos mesmos padrões e metodologia de produção, afinal, o café é um alimento”, completa Flávio.
A 292 quilômetros dali, mais um exemplo
Já em São Paulo, no município de São Sebastião da Grama, na Serra da Mantiqueira, o engenheiro agrônomo Diogo Dias Teixeira de Macedo recebeu a equipe da Forbes na Fazenda Recreio, de 596 hectares, do ano de 1890, enquanto passava um cafézinho.
“Quem começou tudo foi a minha tataravó, que depois passou para a minha bisavó, meus avôs e agora está comigo“, conta Diogo, que administra a propriedade, especialmente, dos 221 hectares de café que cultiva.
A primeira colheita do café na fazenda foi em 1893.
O irmão, Cláudio Dias, é responsável pelos 8 hectares de oliveiras e 2 hectares de uvas chardonnay, que deram origem ao Cavee Mirante do Vale, espumante comercializado desde 2019.
Apesar da diversidade de culturas, que ainda incluem a criação de rebanho de 32 animais da raça Angus, o protagonista mesmo é o café.
Diogo produz cafés especiais de 20 variedades, mas as predominantes são bourbon amarelo, catuaí amarelo e o catiguá.
A produção é toda manual, com 120 funcionários durante a colheita, por conta da elevação do terreno.
Por lá, a sustentabilidade tem a mesma importância que tem para Juliana e Flávio, mas por um motivo diferente.
“As mudanças climáticas vêm afetando muito a produção. Amenizamos esse efeito com práticas de agricultura regenerativa, polinizadores naturais como abelhas e marimbondos e adubação que equilibra biológicos e químicos”, afirma Diogo.
Para ele, ser escolhido como um dos produtores para aplicar o fertilizante com menor pegada de carbono serviu para tornar a fazenda “carbono negativa”, ou seja, que remove mais dióxido de carbono do que emite.
Segundo Acácio Martins, especialista da cadeia de alimentos e sustentabilidade da Yara, e responsável pelo projeto com os cafeicultores, o fertilizante mais sustentável segue com sete nutrientes no mesmo grano.
O que muda, é a fonte que o produz.
“O fertilizante nitrogenado é um dos grandes consumidores de combustível fóssil, como gás natural e carvão. Mudamos essa etapa”, disse.
O produto faz parte parte do portfólio Yara Climate Choice, que une as soluções em nutrição produzidas a partir de diferentes fontes renováveis, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa.
A produção de fertilizantes nitrogenados pode gerar entre 1,5 e 3 toneladas de dióxido de carbono equivalente por tonelada do produto, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
“Com esse adubo, vamos emitir menos ainda e o resultado será o mesmo. Foi um achado”, afirma Diogo, que aplicou o produto em 8 hectares.
O café com menor pegada de carbono já foi colhido e será exportado.
Vale destacar que 70% da produção atual é enviada principalmente para o Japão, Estados Unidos, Noruega e países da Europa.
O restante é vendido para empresas do setor, como a Nespresso, marca da multinacional suíça Nestlé, especializada em cafés premium em cápsulas, presente no Brasil desde 2006.
“A nossa expectativa, além de atingir metas de sustentabilidade, é a mesma do produtor. Agregar mais valor ao café brasileiro”, afirma Martins.
(Com Forbes Agro)