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Minas é o segundo Estado com mais denúncias de abusos sexuais na Igreja Católica

segunda-feira, 11 de setembro de 2023
Minas é o segundo Estado com mais denúncias de abusos sexuais na Igreja Católica Imagens: Divulgação

Entre as cidades denunciadas estão Juruaia e Arceburgo

Minas é o segundo Estado do Brasil com mais padres investigados, denunciados ou condenados nos últimos anos por supostos abusos sexuais contra vulneráveis. Ao todo, 108 líderes da igreja católica foram denunciados por atentado violento ao pudor, corrupção de menores e estupro, entre outros crimes contra crianças, adolescentes e pessoas com deficiência em todo país, segundo dossiê inédito feito com base em 25 mil páginas de documentos de processos e inquéritos policiais, além de relatos de vítimas, condenados e integrantes do clero. A pesquisa aponta supostos abusos por nove cléricos católicos contra 23 vítimas em Minas Gerais. O Estado tem ainda mais dois religiosos que entraram na mira da Justiça após o fechamento do estudo.
 
Os padres na mira da Justiça por supostos crimes sexuais mapeados no dossiê teriam sido denunciados por situações ocorridas nas cidades Santa Bárbara, Mariana, Três Corações, Carmo da Mata, Juruaia, Arceburgo, Araguari, Oratórios, Santa Luzia, Ponto dos Volantes e Comendador Gomes. Os outros dois casos não presentes no estudo teriam ocorrido em João Monlevade. No entanto, não há informações sobre o resultado dos processos.  

O dossiê consta no livro-reportagem escrito pelos jornalistas Fábio Gusmão e Giampaolo Morgado Brag. “O Brasil, que é o maior país católico do mundo, não discute esse tema que já foi debatido em diversos países. Desde o escândalo de pedofilia a partir do Estados Unidos, em 2002, quando foram trazidos à tona pela equipe investigativa Spotlight do jornal “The Boston Globe”, igrejas do mundo todo passaram a discutir o tema. Mapeamentos foram feitos em diversos países, como Chile, Alemanha e Portugal, mas no Brasil algumas legislações acabaram por criar uma postura de silêncio e complacência com o abusador”, afirma Giampaolo Morgado Brag. 

A falta de dados sobre os casos faz com que a construção de um retrato de crimes do tipo no país se torne um desafio, além de ajudar a mascarar e dificultar a identificação dos abusadores. “Parte da pesquisa tem base em dados públicos, mas a partir daí, depois que entra em investigação, isso percorre o caminho do sigilo. Toda investigação sigilosa não carrega o nome dos envolvidos. Para as crianças isso é de fato fundamental, mas ao mesmo tempo os abusadores se valem do anonimato”, aponta Fábio Gusmão. 
 
Apesar dos desafios, o levantamento, feito ao longo de três anos, resultou na identificação de 148 vítimas suspeitas ou confirmadas entre crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência intelectual supostamente alvos de membros da igreja em 96 cidades de 23 Estados. Dessas vítimas, 23 foram em Minas Gerais. Todos os abusos descritos no livro envolvem arcebispos, bispos, monsenhores, padres, frades e, em um deles, uma freira.

Novos casos 
O número, entretanto, pode ser ainda maior. A reportagem apurou que a Polícia Civil (PCMG) investiga dois padres suspeitos de estupro de vulnerável em João Monlevade, na região Central de Minas, no primeiro semestre deste ano. Como a investigação acontece em segredo de Justiça, não foi informado o número de supostas vítimas neste caso.  

Segundo a PC, as investigações foram solicitadas pelo advogado de uma vítima, por meio de representação junto ao Ministério Público de Minas Gerais. No entanto, por se tratar de crimes contra a dignidade sexual, o procedimento corre em segredo de justiça e não há mais detalhes sobre o caso. 
 
Procurada, a Diocese Itabira Coronel Fabriciano - responsável pelas igrejas da região - confirmou que um processo canônico também apura as denúncias contra os religiosos e que a investigação também está sob sigilo. Segundo o porta-voz da Diocese, padre Ueliton Neves da Silva, os padres alvos da denúncia foram licenciados da igreja. 

“Os padres não estão à frente de paróquias até os esclarecimentos do caso. Eles foram licenciados, ou seja, não estão ocupando atualmente nenhuma função que requer os serviços de padres. No mais, não podemos emitir juízo do caso porque ainda está em apuração”, afirma. 

Silêncio conivente 
Para o teólogo e cientista da religião, Sandson Rotterdan, os dados mapeados ao longo da pesquisa são preocupantes, sobretudo, diante de uma realidade de subnotificação, seja por um acobertamento dos crimes ou por falta de denúncia. Ele pontua que a maioria dos casos de abusos registrados no país não são de religiosos. No Brasil, 6 em cada 10 vítimas são vulneráveis com idades entre 0 e 13 anos, e foram abusadas por familiares e outros conhecidos. Os dados são do Anuário de Segurança Pública 2023. No entanto, quando o crime é registrado na igreja há um agravante social por também envolver o que para muitos é essencial: a fé.
 
“Estamos pensando em uma pessoa que deveria acolher e cuidar com respeito e agir de forma divergente, causando uma ferida social muito grande, ao negar tudo o que se espera de um padre. A subnotificação é preocupante, e se torna mais gravoso quando isso é cometido por um clérigo. A igreja católica é uma instituição muito séria, com uma legislação muito séria e que tem um papel social muito grande. Mas temos vários crimes que foram encobertos, aqueles que recebem as denúncias não dão andamento a ela, indo contra o que a religião prega”, afirma.

Ele pontua que, ao longo da história, a Igreja optou por um silêncio conivente, em determinados momentos, em relação aos casos de abusos sexuais dentro da instituição. No entanto, segundo o especialista, nos últimos anos houve uma abertura maior sobre a necessidade de combater o crime dentro do catolicismo.

“É vergonhoso como isso foi tratado por muito tempo. A Igreja teve uma atitude leniente em relação aos casos de abusos sexuais. Mas só a partir do pontificado do Papa Bento XVI que Igreja toma medidas estruturais de combate a pedofilia. Isso tem se intensificado com o Papa Francisco. Mas quando falamos de uma instituição histórica e grande essa implementação não é automática, há a necessidade de criar uma consciência nos membros sobre a necessidade de fiscalizar essas regras”, avalia. 
 
A reportagem procurou a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) sobre os dados de casos de abusos sexuais em investigação contra padres e líderes religiosos, mas foi informada que não é possível realizar o levantamento por não haver “campo parametrizado que permita filtrar“ os alvos no Registro de Eventos de Defesa Social (Reds). 
Sobre os dados contra clérigos no Brasil, a reportagem procurou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que disse, em nota, que “não irá se manifestar”.

Veja ranking dos Estados com padres denunciados por abusos sexuais na Igreja Católica:
  • São Paulo - 32
  • Minas Gerais - 9
  • Paraná - 8
  • Rio Grande do Sul - 8
  • Santa Catarina - 8
  • Alagoas - 5
  • Bahia - 4 
  • Ceará - 4
  • Goiás - 4
  • Mato Grosso - 4
  • Pará - 4 
  • Distrito Federal - 3
  • Rio Grande do Norte - 3
  • Pernambuco - 2
  • Espírito Santo - 2
  • Amapá - 1
  • Amazonas - 1
  • Mato Grosso do Sul - 1
  • Paraíba - 1 
  • Piauí - 1
  • Rio de Janeiro - 1
  • Rondônia - 1
  • Tocantins - 1
 
Vergonha social é desafio, aponta Brag
Além da falta de dados e do sigilo judicial dos processos, Giampaolo Morgado Brag aponta que a construção do dossiê também esbarrou no constrangimento e na vergonha social enraizada nas vítimas, que acabam não denunciando os crimes. (O Tempo)

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