Guaxupé, domingo, 28 de abril de 2024
Marco Regis de Almeida Lima
Marco Regis de Almeida Lima Antena Ligada Marco Regis de Almeida Lima é médico, nascido em Guaxupé, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003). E-mail: marco.regis@hotmail.com

A DESPEDIDA FINAL

quinta-feira, 14 de julho de 2022
A DESPEDIDA FINAL O colunista Marco Regis de Almeida Lima homenageia sua esposa, Adalete Nunes Carvalho Lima, que faleceu nesta segunda-feira, 11 de julho (Foto: Redes Sociais)

MEU CELULAR DESPERTOU ÀS 5 h, MADRUGADA DESTA 4ª feira, 13 de JULHO de 2022. 
Habitualmente, era o momento de eu despertar minha mulher Dalete – Adalete Nunes Carvalho Lima – e ajudá-la a se preparar prá pegar a condução municipal dos pacientes da hemodiálise.  Lhe dava um pequeno frasco de Leite Fermentado "Trevinho" para não ir em jejum. Colocava lençol e cobertor na sua sacola de plástico para uso nas quatro horas de procedimento hemodialítico, deixando à mão a máscara facial e o celular. No frio destas madrugadas de inverno, descíamos a íngreme rampa da nossa casa, abríamos o portão da garagem e ficávamos a fitar rua acima até que surgissem os primeiros lampejos de uma luz amarela, que ia tomando o contorno de luz dos faróis de um automóvel. Até que a pequena VAN da Prefeitura parava frente a nós. Dávamos os cordiais bom dia ao motorista (Edson Piza, ou Domingos, ou João Batista Lima, ou Branco Alves, ou Edson Bueno ou Zé Milton) e aos atuais ocupantes e colegas da mesma jornada, Kelly Damasceno e Ailton, pois, o outro, Geraldo Montanari, já havia morrido.  Ela tomava sua vaga no banco do passageiro, à direita do motorista. E seguiam rumo a Guaxupé. Antes de voltar para a cama, eu colocava ração para nossos dois gatos e outros gatos da rua, que iriam comer no fundo da garagem.

COMO HOJE O CELULAR DESPERTOU DENTRO DA PROGRAMAÇÃO, ME ACORDANDO, SENTI UM IMPULSO PRÁ REPETIR ESTA ROTINA DE ANOS, MESMO QUE ONTEM A MORTE TIVESSE NOS SURRUPIADO DALETE. Desci a rampa, abri o portão e lá fiquei a vigiar a luz da condução que deveria aparecer no alto da rua. Me sentia só, mas, muitas vezes era assim, pois, eu fazia essa vigilância sozinho, poupando a Dalete do frio da rua, mantendo-a dentro de casa, ou na varanda, até que os fachos de luz amarela identificassem a esperada Van e, assim, eu a buscasse lá em cima. TODAVIA, HOJE NÃO FOI ASSIM. NEM A CONDUÇÃO DAVA SINAIS NEM ADALETE ESTAVA DO MEU LADO OU NO ALTO DA RAMPA.

Enquanto eu estava nessa ilusória espera e me encolhia do frio, me lembrava das últimas palavras de lucidez da Dalete, por volta das 17h00 desta 2ª feira, enquanto ia eu no quarto contíguo falar ao telefone com minha filha em Belo Horizonte: “não me deixa sozinha”. Não imaginava que ela estivesse em risco de morte, pois, eu havia tomado os dados vitais dela minutos antes, estando registrados no aparelho: tensão arterial em 11,4 X 6,7 mmHg e pulso 92 bpm. Voltei em poucos minutos, com o telefone fixo, sem fio, animando-a para que falasse com a filha. Foi aí que percebi que ela sucumbia, pois, somente balbuciou palavras arrastadas e sem nexo. Desliguei o telefone e voltei para o lado dela. Mas a transformação havia sido veloz, ela respirava débil e espaçadamente. Nesse momento, gritei pelo seu nome, dei-lhe trancos para que despertasse, continuando numa massagem cardíaca. Tudo em vão. Fugaz e docemente ela parecia ter adormecido, expondo um semblante de paz. No desespero, me lembrei da minha cunhada Beth, que auxiliava meu irmão médico, Dr. Carlos, no consultório dele. “Beth, Beth, vem cá que Dalete morreu, vem me ajudar, porque tô sozinho”. Morreu.

Nesta madrugada, enquanto esperava na rua, numa atitude de ilusão, imagens corriam céleres na minha mente. Por exemplo: de tê-la mantido agasalhada no próprio leito em que morreu, até que o novo dia surgisse, como que dormindo estivesse na espera dos filhos e parentes mais próximos; também ainda sentia o calor dos abraços e das palavras confortantes das pessoas, não somente de muzambinhenses, mas, de montebelense, jureienses, juruaienses, guaxupeanos, belorizontinos, alfenenses, cabo-verdianos, poçoscaldenses, mogimirinenses, campineiros, até de um sobrinho vindo de Campo Grande-MS. Ainda ecoam em mim as palavras e mensagens da Cerimônia Religiosa conduzida pelo Reverendo Nilson Ferreira e Pastor João Navarro, bem como os sons instrumentais e as letras doloridas dos hinos evangélicos entoados pelo irmão de fé, Márcio Dias, e a comunidade presbiteriana presente. No cemitério, a certeza de que acabara a solidão do nosso inesquecível sobrinho Guilherme Eduardo de Almeida Lima, em cujo jazigo repousará Adalete, numa concessão generosa do meu irmão Beto – o Dr.Carlos – da sua mulher Beth e dos sobrinhos Priscila e Rodrigo. Sobre o túmulo pude ler as singelas homenagens contidas em coroas de flores enviadas pela OAB de Muzambinho; da dentista, Dra. Carina Poscidônio; da Faculdade de Enfermagem da UFMG/BH, onde Fabíola é professora; do nosso amigo, Deputado Estadual Sávio Souza Cruz; e das colegas e amigas de Fabíola de tempos escolares na Escola Estadual “Salatiel de Almeida”. Sentindo frio, ainda me lembrei do que mais fazia depois que a VAN rumava para Guaxupé. Eu voltava a dormir com o celular programado para de novo me despertar, em torno das 10h00, momento em que estaria acabando a sessão de hemodiálise do turno da manhã. Enquanto isso, eu ia praticando o meu ritual de COAR o nosso café matinal a fim de que juntos tomássemos na sua volta. Café simples, ao gosto de nós dois, com pão comprado na tardinha anterior, manteiga, raramente esquentado na torradeira. Na mesma rotina, havia a medida digital da pressão arterial dela, da sua frequência cardíaca, e às vezes, da glicemia, para o ajustes de certos remédios como o metopolol, a ivabradina e a insulina NPH. Os demais eram ingeridos normalmente - Apresolina, Olmesartana, Atensina, Acertanlo, Rosuvastatina, Clopidogrel, Vastarel, Lasix, Sevelâmer. Ocasionalmente, os antialérgicos Alektos e Ebastel e um corticóide. Era muito fria a madrugada desta 4ª f. Até minha alma sentia o frio do inverno e o frio da ausência. Fechei o portão e a casa. Voltei para a cama para dormir. MAS, antes, desprogramei o despertador do celular dos três dias semanais das 5h00 e 10h00. A partir daqui toda essa rotina foi desfeita. Um casamento de 49 anos acabou. Ficam meus princípios de vida até que meus dias também acabem.

ESTA É A SEQUÊNCIA INEXORÁVEL DE TODA HUMANIDADE NESTA EFÊMERA VIDA TERRENA.
 

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