Guaxupé, segunda-feira, 29 de abril de 2024
Marco Regis de Almeida Lima
Marco Regis de Almeida Lima Antena Ligada Marco Regis de Almeida Lima é médico, nascido em Guaxupé, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003). E-mail: marco.regis@hotmail.com

CPI da Covid no Senado chega ao fim, mas acusados seguem debochando dos crimes e dos mortos

quinta-feira, 28 de outubro de 2021
CPI da Covid no Senado chega ao fim, mas acusados seguem debochando dos crimes e dos mortos Foto: Divulgação

Inúmeras vezes escrevi para este Jornal sobre o coronavírus SARS-Cov-2 e a doença por ele causada: a CoViD-19. Não somente eu, um simples profissional da saúde, mas a medicina de modo geral, cientistas, políticos e governantes de todo o mundo, além das próprias vítimas, todos foram pegos de surpresa por essa nova virose, que fugiu de determinado padrão comportamental. Devo aqui reiterar que num dos meus artigos neste semanário, de 12/9/2020, com título longo como o de hoje (Por que isolamento, máscaras e higiene das mãos resultam em mais sobreviventes da virose do novo Coronavírus?) eu afirmava que essa família de vírus espiculados foi descoberta na década de 1930. Pois bem, no Volume 1 dolivro produzido em Curso sobre a Pandemia de CoViD-19, por pesquisadores do Instituto Gonçalo Moniz da Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ/Bahia – de autoria de Manoel Barral-Netto e outros, editado por Edufba, em 2020, o Capítulo I discorre sobre a diversidade natural dos coronavírus. Esta parte é escrita por membro dessa equipe, Tiago Gräf, que é Doutor pela UFSC. Colemos um trecho desse capítulo de 19 páginas. “Os coronavírus compõem a família mais diversa dentro da ordem Nidovirales. Quarenta e seis espécies já foram descritas pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV, em inglês), estimando-se que, apenas em morcegos, existam mais de 3 mil espécies de coronavírus, de acordo com Anthony e colaboradores, em 2017. [...] Entre humanos, o primeiro isolado de coronavírus ocorreu na década de 1960. Durante muito tempo eles foram associados a quadro gripais leves. Foi apenas após o surgimento da SARS – Síndrome Aguda Respiratória Severa – em 2002, que os coronavírus entraram para a lista de potenciais ameaças à saúde humana mundial.
Na Versão Saúde para a Família do Manual MSD, manuais que o Laboratório Merck Sharp &Dohme publica desde 1899, a Dra. Brenda L. Tesini, da Universidade de Rochester/U.S.A., escreve sobre Coronavírus e Síndromes Respiratórias Agudas (Covid-19, MERS e SARS): “Existem muitos coronavírus diferentes. A maioria deles causa doenças em animais. No entanto, sete tipos de coronavírus são conhecidos por causar doença em seres humanos. Quatro dessas sete infecções por coronavírus em humanos envolvem doença do trato respiratório superior leve, que causa os mesmos sintomas do resfriado comum. No entanto, três das sete infecções pelo coronavírus em humanos podem ser muito graves e, recentemente, causaram grandes surtos de pneumonia mortal: (1) SARS CoV, que foi identificado em 2003 como a causa de um surto de Síndrome Aguda Respiratória Grave/Severa (SARS), que começou na China no fim de 2002. Presume-se que sua fonte imediata tenham sido as civetas, mamíferos semelhantes a gatos, que estavam sendo vendidos em mercados de animais vivos como alimentos exóticos. Acredita-se que os morcegos sejam o hospedeiro reservatório do vírus SARS na Natureza, não estando claro como as civetas foram infectadas. [...] (2) MERS, a Síndrome Respiratória do Oriente Médio, no inglês Middle East Respiratory Syndrome = MERS, cujo vírus é semelhante ao da SARS, detectado pela primeira vez em 2012, na Jordânia e na Arábia Saudita. Os dromedários são suspeitos de serem a fonte primária de infecção das pessoas, mas a forma como o vírus passa desses animais para as pessoas é desconhecida. [...] (3) A CoViD-19, é chamada de SARS-CoV-2, porque está relacionada com o coronavírus que causa a SARS, embora um pouco diferente dele. Foi relatada em Dezembro de 2019, em Wuhan, China, disseminando-se desde então no mundo todo. As primeiras infecções foram relacionadas com um mercado de animais vivos, sugerindo que o vírus foi transmitido por animais que estavam sendo vendidos como alimentos exóticos para seres humanos”.
Não sendo este um artigo de medicina, nada mais vamos detalhar quanto ao aspecto médico diante do maciço noticiário e informações que se abateu sobre nós nestes dois anos de uma epidemia que avançou sobre os continentes, por isso mesmo sendo declarada uma Pandemia, uma epidemia mundial. O número de mortos em todo o planeta chega a 5 milhões, sendo os Estados Unidos da América o país com maior número, 740 mil mortes, seguindo-se o Brasil, que passou de 600.000 mortos e a Índia com 460.000. Outro país bastante populoso é a Rússia que, na última semana, viu morrerem mais de mil pessoas por dia, num recrudescimento da CoViD, atribuída à baixa vacinação dos russos, que temem ou desacreditam da sua vacina. O número de mortes no país se aproxima de 300.000.
No trecho antes citado do Manual MSD, há uma frase que fala da semelhança do coronavírus da SARS-Cov com o da CoViD-19, esta a SARS-Cov-2. Justamente essa semelhança foi que possibilitou o avanço e a produção de vacinas em tempo recorde, porque, embora declarado extinto desde 2004, o vírus da SARS vinha sendo cultivado e estudado em laboratórios. Vacinas não se desenvolvem num passo de mágica, haja vista que até hoje não as temos contra a antiquíssima Dengue, nem contra a AIDS – a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – surgida na década de 1980. Todavia, a partir da AIDS começaram a ser pesquisados e fabricados os chamados remédios antivirais, nunca antes existentes contra vírus. Desde que me graduei em medicina, 50 anos atrás, sempre falei com firmeza para meus pacientes que não havia remédios para as gripes, que são causadas por vírus. Claro, sempre houve tratamentos para os sintomas gripais, os tais sintomáticos: antitérmicos para dor e febre; vasoconstritores para diminuição da coriza e irritação das vias aéreas, bem como antialérgicos. Fora isso, o que ajuda é repouso e ingestão de bastante líquidos.
Apesar das considerações feitas acima, não foram estas as atitudes de quem deveria dar o exemplo maior para o nosso povo – o Presidente da República. Ele usou e abusou de opiniões sem qualquer fundamento científico. Ignorou medidas preventivas vindas ao menos desde a Pandemia da Gripe Espanhola de 1918, que matou milhões em todo o mundo e que chegou ao Brasil, preconizadas como o distanciamento social, a quarentena, o uso de máscaras e a higiene pessoal, sobretudo o ato frequente de lavar as mãos. Tudo a fim de se evitar a transmissão dos vírus, seja de pessoa para pessoa, ou de ambientes contaminados para pessoas. E o que fez o Presidente Bolsonaro? Desprezou o uso de máscaras, promoveu encontros em que seus seguidores, até ele próprio, se juntavam e se confraternizavam. Tentou, orientado por um chamado Gabinete Paralelo, retardar a aquisição e a aplicação de vacinas, confiando na imunidade de rebanho, ou seja, permitindo que as pessoas fossem se contaminando umas com as outras e, assim, conquistando uma imunidade natural contra a doença. Mas, escrevi nas cinco primeiras linhas que o SARS-CoV2 veio diferente e surpreendente, fora dos padrões de vírus causadores de doenças respiratórias, matando pela “happy hipóxia”, pela gravidade da insuficiência respiratória e pela coagulação intravascular disseminada, um fenômeno conhecido, mas uma inusitada ação viral. Tivemos, também no Brasil, dias de sobrecarga do movimento ambulatorial e hospitalar, verdadeiros colapsos no nosso razoável sistema de saúde pública – SUS –um sistema federal inexistente, por exemplo, nos Estados Unidos da América. No auge da doença, houve falta de cilindros de oxigênio e de medicamentos para intubação. Na funesta estatística de 600.000 mortos, centenas e centenas de profissionais da Saúde estavam nesse triste rol. E o Presidente da República, dando maus exemplos, nem se vacinando, estimulando o uso de Cloroquina e Ivermectina, cientificamente comprovadas como ineficazes para a CoViD.
Tantos descalabros do Governo e muita revolta popular resultaram numa CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito – no Senado da República, a fim de apurar ações e omissões governamentais durante a Pandemia (leia meu artigo de 15/4/2021, Por que e para que se faz CPI? existente no meu arquivo de Colunista deste Jornal). CPI não é Juiz, não julga ninguém. Mas ela funciona como um Inquérito feito por um Delegado da Polícia Civil. Com vantagens: acelera os depoimentos de pessoas, quebra com rapidez sigilos telefônicos, bancários e fiscais. Ao término, como agora, envia o Relatório Final com todos documentos obtidos para o Procurador Geral da República; para os Ministérios Públicos Estaduais se for o caso; Tribunais de Contas. Nesta CPI, diante de crimes de responsabilidade também a Câmara dos Deputados é acionada. Pela possibilidade de responsabilização de mortes de indígenas, até o Tribunal Penal Internacional. Quem destrinchou quem e quais crimes cometeu foi uma Comissão de Juristas ftendo à frente Miguel Reale Júnior, o mesmo que atuou no movimento pelo “impeachment” da Presidente Dilma Rousseff.
O Relatório Final apresentado pelo Relator da CPI foi aprovado nesta semana por 7 votos a 4. Eram 11 membros titulares. Os quatro contrários faziam parte da Base Bolsonarista, apresentaram votos em separado, contestando a CPI. Renitente e dissimulado, um deles, o Senador Luiz Carlos Heinze, do PP/RS (lembremos da maionese Heinze), até no dia da votação continuou fazendo a defesa do uso da Cloroquina e da Ivermectina, apresentando trabalhos científicos ultrapassados e sem valor. Escapou do indiciamento pela proteção da imunidade parlamentar, sem dúvida, um direito dele no uso das palavras e votos, conforme diz a Constituição Federal.É de bom alvitre que os leitores saibam que a maioria da CPI não era da Oposição de Esquerda, sendo dela apenas o SenadorHumberto Costa, médico, PT/PE e o Senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP). Os cinco Senadores restantes, que acusaram o governo e votaram em bloco, são de Centro: 2 do PSD (AM e BA), 2 do MDB (AL e AM) e Tasso Jereissati (PSDB/CE).
Repito que CPI não tem poderes de condenação. Mas, já passou os documentos adiante, para a Justiça, que pode contar com elementos valiosos e com mais pressa. Muitos se julgam inatingíveis pela Justiça, talvez pelo cargo onde estão. Entretanto, muita gente tem sido presa ultimamente. Principalmente, quando acaba a proteção do Mandato Político. O mais atrevido, mais insolente e mais indiferente às acusações e ameaças é o próprio Presidente da República, Jair Bolsonareo, que, no meio desta semana, divulgou um vídeo em redes sociais confundindo e amedrontando a população. Este vídeo mentiroso, “fake news”, foi feito na Inglaterra, insinuando que vacinas podem favorecer o aparecimento da AIDS. Os cientistas logo reagiram e rebateram tamanha mentira. O “Facebook”, o Instagram e o You Tube puniram Bolsonaro, retirando ele por uma semana dessas redes sociais. O Presidente que se acautele, seu mandato pode terminar em definitivo daqui a um ano. O Tribunal Penal de Haia já pegou infratores incursos em crimes contra a Humanidade em diversos cantos do Mundo. Aqui mesmo, os juristas que participaram da CPI o enquadraram em nove tipos de crimes e a fila vai andar. Os crimes de responsabilidade vão passar pelo crivo dos Deputados Federais, torna-se um julgamento político, deles deve escapar, até porque poucos querem “impeachment” a esta altura do jogo e, sim, o veredito das urnas ano que vem. Mas, os crimes comuns serão julgados em outras alçadas.
 
 

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