Guaxupé, sexta-feira, 26 de abril de 2024
Marco Regis de Almeida Lima
Marco Regis de Almeida Lima Antena Ligada Marco Regis de Almeida Lima é médico, nascido em Guaxupé, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003). E-mail: marco.regis@hotmail.com

Conflitos e contradições democráticas

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021
Conflitos e contradições democráticas Foto: Luiz Macedo/Câmara dos Deputados

Diante do motivo pandêmico do Covid-19 acabamos de passar pela supressão do carnaval brasileiro de 2021 – e do antiquíssimo de Veneza, também. Algo de bombástico haveria de acontecer como contraponto ao vazio, ao silencioso e ao fúnebre período em que temos vivido. Eis que num rompante meio que carnavalesco surge, lá prás bandas cariocas da Marquês de Sapucaí, um personagem controverso, sem máscara, supostamente do lado da lei e da ordem, porque egresso da PMERJ – Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Ele veio prá cena política em 2018 impulsionado pelos votos de uma horda barulhenta, intransigente e agressiva como que emergente das profundezas do inferno.
Em um dispositivo audiovisual surge um desconhecido cavaleiro da discórdia, Daniel Silveira, se dizendo policial militar e deputado federal, atacando em bloco o STF – Supremo Tribunal Federal – e particularizando um a um, pelo menos metade dos componentes da nossa mais alta Corte de Justiça. Não são polêmicas frases acobertadas pela liberdade de pensamento e de expressão do artigo 5º da nossa Constituição Federal. São manifestações que ultrapassam essas liberdades, transformando-se em desrespeito e ataques inaceitáveis ao Estado Democrático de Direito, apologia criminosa ao aniquilamento da nossa frágil democracia.
Entrementes, o desconhecido, em que pese compor o seleto grupo de 513 deputados federais que compõem a Câmara dos Deputados, pertencente ao PSL, pelo qual foi eleito o próprio Presidente da República, que dele se debandou, é representante do Estado do Rio de Janeiro. Sua folha corrida como policial, segundo o noticiário da imprensa, registra dezenas de infrações e penalidades, até o cumprimento de 80 dias de prisão, na PMERJ. Num dos vídeos que Silveira gravou e difundiu em redes sociais, ele mesmo não se faz de rogado a fim de ostentar que é temível e incorrigível, dizendo que já foi preso umas 90 vezes. Pois é um indivíduo de tamanha agressividade como este, que serve de símbolo para certo grupo de pessoas.
Os conflitos surgem dentro de suposta democracia. Suposta, porque o Presidente da República, Capitão Jair Bolsonaro, disse alto e bom som, recentemente, que só existe democracia tutelada pelas Forças Armadas. Esse mesmo vídeo com ameaças de surra e de fechamento do STF envolvem episódio antigo. Deu-se num julgamento de “habeas corpus” do ex-Presidente Lula, que acabou preso em face ao mecanismo jurídico de condenação em 2ª Instância. O vídeo do deputado Daniel Silveira, alude ao acontecimento em que o Ministro Edson Fachin, Relator do processo, três anos atrás, votou contra o “habeas corpus” de Lula, que ficaria preso mais de um ano, surgindo comentários de que o Ministro “pipocou” diante de declarações do então Comandante do Exército, General Eduardo Vilas Boas, no Governo Golpista de Michel Temer. Tais declarações do general foram publicadas em redes sociais e diziam que o Exército compartilhava “o repúdio à impunidade” e que restava perguntar “às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras”. No livro recém lançado, de Celso Castro, “General Vilas Boas: conversa com o Comandante”, existe a confirmação do referido episódio com a frase: “redigido em conjunto com integrantes do Alto Comando”. Agora, provocado pelo vídeo, o Ministro Fachin reagiu: “anoto ser intolerável e inaceitável qualquer forma ou modo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”. O General, portador de doença degenerativa, a ELA – esclerose lateral amiotrófica – que se comunica por equipamentos de informática e respira por tubo em traqueostomia, voltou a responder para Fachin em rede social: “Três anos depois”.
Vou reproduzir o que penso disso e que publiquei no “Facebook”, esta semana: “Nós, brasileiros, não podemos ficar alheios e inertes neste episódio em que um parlamentar-policial, DELINQUENTE, ataca o Judiciário, um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Nem que ele possa estar amparado por forças que SE sintam na condição de feitores da Democracia. Que diabo de Democracia pensam alguns em tutelar? Democracia que se submete à autoridade de um Judiciário que endossa um conluio que condena, prende e humilha um ex-Presidente da República; ou Democracia que é afrontada por um mequetrefe, tipo esse deputado Daniel Silveira, que se imagina livre e poderoso [...] dando “carteiradas” em nome da imunidade parlamentar e de um cargo policial do qual não está no exercício. Estamos a exigir que essa Democracia funcione para todos e não apenas para um lado que entende que a eles cabe tutela. Afinal de contas a Constituição Federal define as balizas democráticas e todos os setores que por ela devem zelar SÃO PAGOS PELOS CONTRIBUINTES DE TODOS OS LADOS, NÃO APENAS PELOS QUE TÊM MAIOR PODER LEGAL OU ARMAMENTISTA”.
O que não se pode é usar das leis para executar um enredo que foi urdido desde 2013, com a participação da mesma Grande Imprensa, que hoje esperneia. Sobre isto vaticinei neste Semanário, em 19-Fev-2016: Cassar Dilma, Caçar Lula: eis a questão. Mais à frente aqui também denunciei, em 13-Abr-2018: Justiça acovardada e partidarizada. A Lei era exaltada no afã de aniquilamento do petismo. Ultimamente, desordeiros e golpistas foram presos a mando do STF por incitarem violência e fechamento de instituições democráticas.
Agora, surge outro conflito que é a prisão do deputado. Questiona-se não somente a sua prisão, também o flagrante, assuntos que aqui não vou discutir por não ser um jurista. Também se indaga, além da liberdade de expressão mencionada, da IMUNIDADE PARLAMENTAR, que está contida no Artigo 53 da Constituição. Não é agora que se coloca em cheque tal imunidade. Tenho experiência própria, após ter sido processado pela minha atuação como deputado da CPI Mineira do Narcotráfico, lá nos idos de 2001. Nela não tratei de pessoas a não ser nas audiências da mesma. Mesmo assim tive que me defender junto ao Tribunal de Justiça-MG, processado que fui por um dos envolvidos nas investigações da CPI. Houve Desembargador que questionou meu direito à imunidade, embora mencionado, rezando: “Os deputados e senadores são invioláveis civil e penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, tratando o §2º do mesmo artigo sobre a prisão de parlamentares em flagrante delito. No meu caso fui vitorioso pela competência familiar, sendo defendido oralmente no TJMG pela advogada Adalete Nunes Carvalho Lima, minha mulher, e pelos meus filhos Lisandro e Cristiano, na época ainda estudantes de Direito.
O que dizer no caso do deputado Daniel Silveira (PSL/RJ), que foi muito além da minha discreta intervenção numa CPI ? O senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), Presidente do Senado e competente advogado assim se manifestou, conforme matéria do jornalista Plínio Aguiar, no R7 Notícias desta 4ª feira, 17: “Atentar contra a Democracia e suas instituições é gravíssimo, mas manter preso alguém antes do julgamento deve ser tratado como exceção”, concluindo que “a questão deve ser decidida pela Câmara dos Deputados e pelo STF”. Diante desse comentário eu pergunto: na Lava Jato, com que direito o Juiz Sérgio Moro mantinha pessoas presas em intermináveis “prisões temporárias?”.
O Prof. Rubens Glezer, da Faculdade de Direito, da Fundação Getúlio Vargas/SP escreve na Folha de S.Paulo / Poder / Análise, neste 17 de fevereiro: “A complexidade em torno da prisão do deputado Daniel Silveira expõe as vísceras da nossa crise democrática e suas ambiguidades. O STF tem tomado as medidas que considera cabíveis para sobreviver aos ataques que têm sido desferidos por um setor antidemocrático e autoritário da política brasileira. Em tempos de normalidade institucional já seria difícil para o STF dar conta dessa tarefa, impondo os limites constitucionais sobre esses agentes”.
 

Comente, compartilhe!