Guaxupé, quinta-feira, 2 de maio de 2024
Cairbar Alves de Souza
Cairbar Alves de Souza Cantinho Mineiro Advogado e Escritor

O DIA DO PAI

domingo, 9 de agosto de 2020
O DIA DO PAI O economista e escritor Luis Nassif (Foto: Flickr)

Em ano anterior, escrevi sobre o meu pai que se foi em 1977.
Neste ano, vou publicar uma crônica do nosso querido e conhecido Luis Nassif, economista e famoso escritor de Poços de Caldas, que já esteve em Guaxupé fazendo conferência na Cooxupé. A crônica se intitula O olhar de meu pai.
 
“Antes dos 13 anos, declarei guerra a meu pai. Eu passara para o terceiro ano do ginásio, mudou o irmão Marista titular da classe, e tive a oportunidade de tirar o primeiro lugar, algo que não conseguira nos dois anos anteriores.
Fui para casa de boletim na mala e peito estufado, e o velho nem ligou. À noite, no encontro de pais e alunos no Marista, um pai chegou perto de nós, saudou o meu feito e indagou se manteria a colocação. Seu Oscar respondeu irritado: “Problema dele”. Anos depois, Chafik, seu melhor amigo, me contou que ele não se conformara com minha decisão de, aos 12 anos, me tornar jornalista, e não seu sucessor na Farmácia Central.
Desde aquela noite de 1963 um muro ergueu-se entre nós. No mês seguinte cai para 7º da classe, no terceiro mês para 15º, do quarto mês em diante fui o último para o todo e sempre. Puni o seu Oscar a cada prova mal feita, a cada gazeta engendrada, a cada rebelião contra os irmãos. Mas nos momentos cruciais, consegui o seu apoio, especialmente no dia em que o reitor Lino Teódulo foi à minha casa com acusações falsas, em represália à minha militância estudantil. Disse-lhe na cara que ela estava mentindo, e meu pai me apoiou.
Nem isso quebrou as nossas barreiras. Eu chegava em casa antes de meu pai chegar, refugiava-me na tia Rosita na hora do jantar, depois, quando ele descia de novo para fechar a farmácia corria para casa, para dormir antes que ele voltasse de vez. Mas de manhã bebia cada som que ele emitia, cada gesto de ansiedade, andando para lá e para cá no corredor de casa, os gemidos de quem carrega os fardos do mundo. E me punia por não poder ajudá-lo.
Ao longo da vida, guardei em frascos de cristal os poucos momentos de emoção que consegui compartilhar com ele, como o garimpeiro que procura a pepita na bateia. Registrei seu choro na morte da tia Marta, as lágrimas na missa de sétimo dia do vô Issa, seu sogro, a última ida a Poços de Caldas, para ser comunicado da morte de seu melhor amigo, e seu olhar quando divisou a cidade ao longe. Mais tarde, acompanhei o seu silêncio quando tia Rosita morreu. Não contamos nada para ele, e ele nunca mais perguntou dela, para não ouvir a resposta que temia.
E me lembrei para sempre do dia em que o critiquei na casa do vô Issa por ter comprado um bilhete de loteria enquanto estávamos acampados por lá, procurando casa para alugar em São Paulo. Ele saiu para a rua, fui atrás e pedi a Deus as palavras que me permitissem explicar o que sentia. Abracei-o, aquele homem alto, chorando, e lhe falei, falei e falei, disse-lhe que ele continuava o centro da família e que minha preocupação era apenas para que não demonstrasse desespero indo atrás de miragens. E só serenei quando ele se acalmou e me olhou com olhar de pai agradecido.
O segundo derrame chegou doze anos depois do primeiro. Só depois de morto e enterrado comecei minha longa caminhada atrás do meu pai. Passei a buscá-lo em cada contemporâneo, em cada amigo. Com as velhas senhoras de Poços descobri o galanteador, com os fregueses mais humildes da farmácia, uma generosidade que nunca pressenti.
Com os amigos, a pessoa aberta e alegre que submergiu com a crise da farmácia, mas que continuou sendo o mais gentil dos poçoscaldenses.
E quanto mais o buscava passava a descobrir o inverso, a busca que ele fazia de mim.
Diariamente meu pai levava minhas irmãs ao Colégio São Domingos, e, na volta, pegava um amigo meu para almoçar e saber notícias minhas de São Paulo. Antônio Cândido me falou do orgulho com que ele relatava minhas primeiras reportagens. O padre Trajano me contava das notas que levava ao “Diário de Poços” relatando cada vitória em festival, em concurso literário. E minha mãe me contou que, no auge de minha crise de adolescência, ela perdeu a fé no meu futuro, e ele acreditou.
Às vezes sinto o travo da última conversa que não houve, dos beijos que não dei. Mas em algumas noites o sinto ao meu lado, daquele modo silencioso com que ficava com a tia Rosita, sem nada falar, porque palavras eram desnecessárias. Apenas me olhando com aquele olhar de quem finalmente se fez entender”.
 
Nota do articulista: Como espírita, julgo que se reencarnamos como pai e filho é porque geralmente temos afinidade de vidas anteriores e falhas a serem corrigidas, o reencontro é necessário.
Por isso, vai aqui uma sugestão, não como moralista, mas como espírita e com muita fé em várias existências, se você ainda por felicidade ainda tem o seu pai por perto, acarinhe-o, viva em paz como ele e não irá se arrepender como o Luis Nassif e muitos de nós o fizemos.
A todos os pais um abraço amigo e ao meu principalmente já que ele hoje desencarnado por certo saberá por que nascemos tão próximos.
 

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