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Entrevistas

Leitora entrevista psicólogo e colunista do Jornal da Região

quarta-feira, 14 de abril de 2021
Leitora entrevista psicólogo e colunista do Jornal da Região

Uma leitora da Coluna de Psicologia do Jornal da Região, mulher engajada na religião, manifestou seu desejo de poder entrevistar o responsável pela coluna, o psicológo Rodrigo Fernando Ribeiro. Entrou em contato direto com o colunista. Com o consentimento do profissional, a entrevista foi então realizada. Diante de temas polêmicos, respostas complexas. Uma entrevista franca e corajosa, especialmente para quem gosta de ler, se informar, conhecer. A leitora pediu para não ser identificada. Colocaremos apenas as inicias de seu nome. Confira abaixo a entrevista.
 
1. A.M.S: Rodrigo, lendo seus artigos, fiquei com vontade de te perguntar se você é uma pessoa religiosa, se você faz parte formal de alguma religião específica, porque você costuma citar pessoas da religião como Dalai Lama, Jesus Cristo entre outros.
 
Rodrigo: Na verdade todo ser humano é religioso, mesmo que não tenha plena consciência disso, e mesmo que não faça parte formal de alguma instituição. Somos seres espirituais, vivemos a nossa espiritualidade diariamente, com maior ou menor consciência.
Na prática, religião é a institucionalização da espiritualidade. De muitos modos, quando a religião é sadia, fundamentada, ela facilita o desenvolvimento da espiritualidade por meio do aperfeiçoamento pessoal, da renovação da mente. Já quando a religião não é sadia, provoca superstições e perturbações.
No seu significado existencial intrínseco e antropológico, religião significa reverência, ou seja, uma simples e humilde atitude instintiva, natural, espontânea de busca por algo maior. É a criatura em busca do seu Criador, assim como uma criança busca pelo amparo da mãe ou do pai. Nessa busca, o ser humano tem um encontro, e no encontro com Deus pode se manter unido a Ele. A busca diária é uma necessidade de religar com essa nossa origem.O sopro vital, o Espírito, nos habita. Intuímos de onde viemos e para onde desejamos retornar. Estamos todos à busca... Queremos o Paraíso, desejamos o Céu.
Quanto à minha participação religiosa, como sou cristão de formação cultural e familiar, vez ou outra acabo recebendo algum convite para conversar com algumas pessoas da instituição religiosa, tanto católica quanto protestante. E estou disposto a outras parcerias pra poder falar de Psicologia, pois a fé é uma força psíquica.
Como você mesma citou na pergunta, não comento apenas pessoas de conhecimento espiritual vinculadas ao cristianismo. Se Deus é Espírito e sopra onde quer, não somos nós que vamos impor limites a Deus. Seria um erro grosseiro dar ordens para Deus. Então, existem sim partículas ou aspectos da Verdade onde Deus quiser manifestá-la. Por isso, podemos manter o coração aberto e a mente alerta nos diversificados territórios sagrados. É assim que eu me mantenho participativo.

2. A.M.S: Ainda no tema religioso, sabemos que a crença mais comum entre nós, pela influência cultural, é o catolicismo. Jesus foi severo quanto ao escândalo cometido contra as crianças. Ele afirmou que melhor seria ao malfeitor pendurar uma grande pedra no pescoço e ser lançado ao fundo do mar, do que escandalizar uma criança. A pedofilia é um grande mal no cristianismo. Não somente no catolicismo, mas no protestantismo também – sabemos. Não são somente alguns padres católicos; alguns pastores evangélicos também abusam de crianças. Aliás, na verdade, os maiores abusadores de crianças são os familiares, pessoas mais próximas das crianças. Mas no caso da Igreja Católica, parece que somente com o atual papa, o Francisco, medidas duras estão sendo tomadas concretamente para frear a pedofilia cometida por alguns sacerdotes. Rodrigo, o que a Psicologia tem a dizer sobre o celibato, a castidade e a pedofilia? Existe alguma relação?

Rodrigo: O celibato é a opção de não se casar. Jesus não casou. Paulo não casou. Mas Pedro era casado. Então, talvez um dia a Igreja Romana flexibilize a norma disciplinar do celibato, dando oportunidade a alguns homens casados engajados na Igreja se tornarem padres. Quem quiser seguir pelo caminho do celibato, que siga, assim como Jesus e Paulo. Quem quiser ser padre e for casado, que siga sendo casado e se forme padre. Sabemos de homens casados com vontade de manter o matrimônio, vontade de continuar próximos aos filhos, mas também desejam se tornar padres, assim como já acontece com os pastores protestantes que podem se casar. E sabemos também que muitos padres celibatários são felizes no celibato e não querem se casar. Não tem esse conflito. Entendeu? Então, na minha opinião, o celibato poderia ser uma opção para o exercício do sacerdócio católico romano, e não condição única e fundamental. Mas quem decide isso é Roma, é o Papa, junto de seus cardeais auxiliares que oram juntos, pensam juntos, decidem juntos. Não é a opinião de um simples psicólogo que mudará a conduta de uma instituição bimilenar.
Castidade é a abstinência total dos prazeres da carne. Note bem: abstinência total. Na teoria. Será que na prática isso é mesmo possível? Como frear totalmente o impulso sexual? A sexualidade é instintiva, espontânea, natural, saudável, bela e vulcânica!Foi criada por Deus.
Tudo o que é reprimido retorna deformado, tudo o que é recalcado volta piorado, dando origem às perversões. Não tão raro vemos pessoas religiosas, que se dizem castas,viciadas em pornografia, quando inseridas numa instituição que prega a castidade.
Claro que a sexualidade deve ser submetida à nossa civilidade, caso contrário, seríamos bichos selvagens. A emoção pode e deve ser equilibrada pela razão. O impulso pode ser sublimado, superado. Os desejos da carne podem ser controlados. Repito: controlados, civilizados.
Outra coisa é acreditar ser possível abster-se completamente, totalmente, o que é improvável ou até impossível. Não adianta fazer de conta que os instintos não existem. Não adianta se vestir de roupas religiosas tampando quase todo o corpo, e fingir que ali embaixo daqueles panos não há mais corpo, não há mais pele, não há mais sensações, não há mais gônadas, não há mais produção de hormônios sexuais, não há mais órgãos sexuais, não há mais desejo, não há mais libido, não há mais lubrificação, não há mais ereção. É em vão fingir, é em vão negar.
A pessoa religiosa, mesmo que não tenha nenhum contato carnal direto com outra pessoa, terá experiências sexuais consigo mesma e com a sua imaginação, por meio da masturbação. E mesmo que evite masturbar-se, terá sonhos eróticos. Então, em Psicologia e Medicina, compreendemos que o celibato é uma opção de vida (casar-se ou não). Já a castidade é praticamente uma impossibilidade, ilusória negação de uma notável constatação pertencente à nossa natureza.
Mas será que a castidade pode ser vista de modo mais amplo, compreendida também de outro jeito, vivida de uma maneira mais profunda? Pode sim...
A castidade, entendida de modo mais amplo, significa, para a pessoa religiosa, não uma negação da sexualidade, e sim uma vida mais dedicada às orações, ao trabalho e à caridade. Já a castidade vivida no contexto matrimonial (marido e mulher), significa fidelidade, ou seja, uma vida longe da promiscuidade, onde o marido não trai a esposa e a esposa não trai o marido. Uma vida onde o respeito conjugal é compreendido como um respeito a Deus. Padre Léo, sacerdote católico, escreveu um bom livro sobre isso: Sede Fecundos (Editora Canção Nova).
O psicólogo estadunidense Mark W. Baker, autor do livro Jesus, o maior psicólogo que já existiu, por estar engajado no cristianismo, afirma que a maior e mais genuína fonte de felicidade para o homem, para a mulher e para os filhos e filhas é, de fato, a monogamia, que foi o desejo manifesto de Jesus Cristo.
Aí sim podemos entender a castidade como uma possibilidade. Compreendeu?
Agora sobre a pedofilia... Pedofilia é crime. Uma monstruosidade, uma perversidade, uma manifestação de personalidade covarde, cruel, e o sujeito que comete esse crime precisa ser punido e mantido longe da convivência em sociedade. Não há possibilidade de recuperação para um condutopata. Se ele voltar para a convivência na sociedade, voltará a cometer o crime sem a menor compaixão, sem a menor culpa.
Celibato e castidade ocasionam pedofilia? Não.
Pedofilia é fruto de uma mente ou de uma personalidade criminosa. O pedófilo pode sim estar inserido numa instituição religiosa celibatária, que prega a castidade, e cometer seus crimes, pode ser um padre, um bispo, um cardeal. Mas isso não significa que o sacerdócio católico seja sinônimo de pedofilia ou uma fábrica de pedófilos. É um absurdo afirmar que todo sacerdote católico seja pedófilo. É necessário saber discernir. Vida de celibato e de castidade é norma ética, moral e disciplinar. Celibato e castidade são característicasdo sacerdócio católico. Castidade é característica do matrimônio cristão. Já o pedófilo é um criminoso que pode ou não estar infiltrado numa instituição religiosa.

 
3. A.M.S: Muita gente da igreja costuma reclamar de muitos padres, dizendo que eles são um com batina, e outro sem a batina. Como se explica isso pela Psicologia?

Rodrigo: Olha... Esse negócio de ficar falando mal de padre, de modo geral, não faz muito sentido. Não é correto. Porque pode passar a falsa impressão que todo padre não presta, que todo padre é hipócrita. Não podemos afirmar nada disso. O padre não pode ser alvo de todas as flechas venenosas. O que o padre precisa se tornar é alvo das orações dos fiéis.
O padre é um ser humano. Padre é gente. Padre não é anjo. Não é porque colocou a batina e subiu no altar que virou santinho. O padre é uma pessoa preparada, estudada, alguns são indivíduos verdadeiramente vocacionados, de unção válida, estão obedecendo a um chamado divino e sustentam postura coerente ao Evangelho, com e sem batina. São caridosos, comprometidos, compassivos, presentes e participativos na comunidade. Acalmam os corações de muitos fiéis. Favorecem no fortalecimento da fé daqueles que estão aflitos... Podem decepcionar algumas vezes? Podem, assim como nós também. Somos todos seres humanos. Nada além disso.
Note que, de modo geral, o problema maior não está no padre, e sim nas expectativas exageradas que os fiéis depositam nele.
O que acontece no Altar, para o padre, é algo sagrado. Não é teatro. Só é teatro talvez para o padre que não é vocacionado, que se formou padre por falta de opção, ou até mesmo que esteja passando por crise de fé, que esteja duvidando das realidades espirituais manifestas ali... Se esse padre continuar com crise de fé, se não passar por uma experiência pessoal com Cristo, o que fará no Altar será apenas uma representação, uma teatralização mesmo, pois, repito, não acredita na sacralidade memorativa do que é apresentado lá. Sendo assim, ao sair de lá (do Altar),vai “soltar a franga”, porque não aguentará ficar usando “máscara” o tempo todo. E quando assim fizer, quando escancarar, invariavelmente causará espanto e até escândalo na comunidade. Muitos fiéis até deixam de ir à Igreja ou até mudam de religião por conta disso, pois o padre é um líder espiritual, uma figura representativa de importância profunda na comunidade.
Por outro lado, se ao tirar a batina após a Celebração da Santa Missa, o padre seguir coerente ao que pregou, então talvez ele seja um santo.
E quanto a essas crises vocacionais, o atual Papa, Francisco, numa exortação apostólica denominada Amorislaetitia, recomenda que os seminaristas tenham acompanhamento vocacional durante todo o processo de estudo e formação sacerdotal, incluindo apoio de orientação psicológica, a fim de se evitar futuros escândalos.


4. A.M.S: Como entender a homossexualidade? É uma doença? Tem tratamento? Tem cura?

Rodrigo: A homossexualidade não é considerada doença.
Pense na homossexualidade em quatro dimensões básicas: por condição, por trauma, por circunstância e por modismo. Explico...
homossexual por condição. Quer dizer: a pessoa é homossexual, e não há nada que se possa fazer para mudar essa natureza, essa essência.Você entendeu? A pessoa não se tornou homossexual. Ela não escolheu ser homossexual. Não fez a opção em ser homossexual. Ela é homossexual. Esse é o significado da palavra “condição”. Homossexual por condição significa isso: a pessoa é. Não se trata nem se cura. A pessoa é. Se a pessoa é, então é violência pretender tratar e curar.
Tratar e curar seria como pretender transformar um heterossexual num homossexual à força. Impensável! Não se altera a essência de ninguém.
Existe o homossexual por trauma: uma criança abusada, e que passa a sofrer tormentos e desajustes ao longo do seu desenvolvimento. Aqui a criança, o jovem ou já o adulto pode ser acompanhado por um acolhimento de apoio e orientação profissional, a fim de compreender melhor o que sofreu e vencer a angústia de alma.
Existe o homossexual por circunstância: por exemplo, um presidiário que é forçado a manter relações sexuais com outros detentos do mesmo sexo. Ao sair da prisão, a pessoa retoma naturalmente a sua heterossexualidade de origem.
Existe também o homossexual por moda, modismo, e acontece em algumas experiências entre adolescentes que se inspiram em alguns artistas, filmes, novelas. Como é moda, pode passar, pode voltar.
Agora compreenda bem: Nós somos o resultado da união de um homem com uma mulher. Todo ser humano tem dentro de si características biológicas e psicológicas do masculino e do feminino. Ninguém é 100% homem, e ninguém é 100% mulher. Um espermatozoide não se desenvolve sozinho dando origem a um ser humano, a um homem. Um óvulo não se desenvolve sozinho dando origem a um ser humano, a uma mulher. É da união espermatozoide-óvulo que dá origem a uma nova vida: um homem ou uma mulher, que poderá ser heterossexual ou homossexual. É evidente demais o fato de termos parcelas da nossa mãe, e parcelas do nosso pai.
A mulher e o homem, ou o feminino e o masculino nos coabitam. No processo do desenvolvimento e da diferenciação, dentro do contexto psicológico e biológico da heterossexualidade, vamos então assumindo as características predominantes de um homem ou de uma mulher.
A exceção, como já disse, está no homossexual por condição, que tem mente de mulher, jeito de mulher, traços femininos, mas que está num corpo de homem; ou tem mente de homem, jeito de homem, traços masculinos, mas que está num corpo de mulher. Por isso, muitos ainda consideram o homossexual um anômalo.
Por que existe o homossexual por condição? Ninguém sabe ainda explicar com exatidão como isso acontece. Acontece, e são pessoas merecedoras de dignidade. O homossexual por condição já pode ser observado desde a infância e adolescência. E deve ser respeitado na idade adulta e na velhice. As demais homossexualidades, como expliquei acima, idem. Somos todos seres humanos, e ser humano tem dignidade.


5. A.M.S: Então devemos saber discernir o homossexual do pedófilo. Respeitar o homossexual e combater o praticante da pedofilia. É isso?

Rodrigo: Sim. E eu creio que já expliquei bem nas questões anteriores. Existem alguns tipos de homossexuais, e a homossexualidade precisa ser compreendida, acolhida, orientada.
Já o pedófilo é um condutopata que precisa ser rapidamente identificado e pego, punido e retirado da convivência social, pois não se recupera da sua perversão.
Outro aspecto que precisa ficar claro: não podemos cometer o erro de afirmar que a homossexualidade produz pedofilia. Milhares de homossexuais não teriam coragem nenhuma de escandalizar uma criança.
Pedófilo é um ser com a personalidade maldosa, faz maldade, não se arrepende, não sente culpa, não tem compaixão. Se ficar solto, abusará de outras crianças. Não há nada, nada, nada que reverta a mente de um condutopata. Não há nenhuma psicoterapia, nem medicamentos, nem exorcismos. Não há nada eficaz. O condutopata ainda permanece um mistério e uma frustração para cientistas e religiosos que não conseguem freá-lo. Reitero:condutopatas precisam ser identificados, pegos, punidos, vigiados.


6. A.M.S: Podemos ou não podemos julgar as pessoas?

Rodrigo: Julgar não! Quem julga é Deus. A palavra julgamento tem um sentido escatológico, tem a ver com prêmio eterno (Céu) e castigo eterno (inferno). O que nós podemos fazer é analisar, criticar e combater um comportamento antissocial, criminoso.Existe a punição de acordo com a lei humana.
Outra coisa: não podemos nos esquecer que nós também temos falhas, mesmo que não sejam escandalosas nem criminosas. Não adianta só ficar apontando o dedo acusador.
É necessário que cada um observe a si mesmo e, de muitos modos, vigie a si mesmo, corrija a si mesmo. Você se lembra do que disse Jesus? Antes de apontar o cisco no olho do irmão, é preciso retirar a trave do próprio olho!
A oração perseverante e diária é uma excelente prática de autoconhecimento e autocontrole.

 
 

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