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O fim do direito ao silêncio no Brasil. Será mesmo?

domingo, 30 de janeiro de 2022
O fim do direito ao silêncio no Brasil. Será mesmo? Foto: Divulgação

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) intimou o presidente Jair Bolsonaro a prestar depoimento à Polícia Federal nesta 6ª feira. O chefe do Executivo não compareceu e a AGU (Advocacia-Geral da União) entrou com um recurso pela anulação da oitiva. A ordem de Moraes foi dada na investigação que apura o vazamento de um inquérito sigiloso da PF sobre um ataque hacker ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Os documentos foram divulgados pelo presidente em agosto de 2021 pelas redes sociais.
O direito à não autoincriminação, desde 1988, passou a ter expressa previsão constitucional (CF, art. 5º, LXIII), inaugurando um direito subjetivo de qualquer acusado de não produzir prova contra si mesmo (“o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado…”). Por óbvio, o juízo sobre o exercício ou não desse direito compete ao seu titular, a quem cabe avaliar sobre os impactos da produção de determinada informação sobre a sua própria esfera jurídica.
Há a informação de que ele recorrerá. Ainda que o agravo ao Pleno do STF não tenha efeito suspensivo, Bolsonaro está atacando a decisão pelas vias recursais. É do jogo. Judicialmente, sim, ele pode faltar. Além disso, Bolsonaro é protegido pelo chamado “direito ao silêncio”, garantido pela Constituição Federal (artigo 5º, inciso 63) e pelo Código de Processo Penal (artigo 186) a qualquer pessoa investigada.
O direito é praticamente absoluto: investigados e réus só precisam falar na fase de qualificação, quando informam seu nome e dados pessoais. Fora isso, podem ficar em silêncio e até mentir, sem que isso cause punições. Existe para garantir que ninguém seja obrigado a produzir provas contra si.
Eu entendo que o presidente, por figurar como investigado no inquérito em questão, não é obrigado a depor ou comparecer ao ato. Acredito que o não comparecimento necessariamente resultará nessa interpretação. Assim, com a recusa em depor, Moraes poderia expedir um mandado de condução coercitiva. Mas é pouco provável que o ministro faça isso. Trata-se do presidente da República. Há que se ter respeito e deferência ao cargo, até porque ele representa o voto popular em uma democracia.
A conduta abusiva do ministro Alexandre de Moraes em face do presidente Jair Bolsonaro, não apenas configura a decretação do fim do direito ao silêncio que a Constituição assegura como cláusula pétrea aos acusados em geral, como também acarreta a sua suspeição de parcialidade, e o inabilita para prosseguir na condução dos atos do inquérito ou da ação penal artificiosamente instaurado contra o presidente, por motivação visivelmente política, para criar um “atalho” para encurtar o seu mandato, ou inviabilizar a sua reeleição, em flagrante desrespeito aos 58 milhões de eleitores que o elegeram para conduzir os destinos da nação brasileira até o final de 2022, e olvidando que a hora de corrigir os erros de escolha de um Governante, ou de repeti-los, é por ocasião das eleições.
Nunca é demais lembrar que um ex presidente que tenta voltar ao cargo, em um de suas falas disse que o STF estava acovardado. Na época nenhum Ministro teve qualquer reação. Como se diz na gíria, ‘vestiram a carapuça’. Atualmente esse sósia de Nesferatu , o vampiro da noite, vocifera, manda e desmanda numa total ausência de imparcialidade. Onde está a serenidade?
A condução coercitiva foi considerada inconstitucional pelo STF em 2018. À época, os ministros da Corte entenderam que a prática viola uma série de direitos, como o respeito à dignidade e à liberdade de ir e vir. Há uma ressalva, porém. Em situações excepcionalíssimas e quando a presença do investigado é imprescindível para a elucidação dos fatos no âmbito do inquérito, o magistrado responsável pelo caso pode, sim, expedir um mandado. Mas contra o Presidente? A despeito dessa possibilidade, há a questão do respeito e deferência ao cargo de presidente da República, já que a condução seria constrangedora levando em consideração a importância do cargo.
A situação lembra a condução coercitiva sofrida pelo ex-presidente, repito, ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no âmbito da Lava Jato, considerada por ele (Alexandre de Moraes) inadequada. A determinação do ministro Alexandre não seria dada nem por um estudante de direito. Bolsonaro tem o direito ao silêncio.
O entendimento da AGU é que Bolsonaro tem direito de não aparecer para depor, e que isso não configura crime comum de desobediência a decisão judicial nem crime de responsabilidade.
A AGU, que faz a defesa de Bolsonaro, entende que ele não cometeu crimes de divulgação de segredo (“divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento [...] quando resultar prejuízo para a Administração Pública”, com pena de detenção, de 1 a 6 meses) e violação de sigilo funcional (“revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”, com pena de reclusão de 2 a 6 anos).
Está demonstrado nos autos de investigação de que não havia sigilo sobre o inquérito ou segredo decretado judicialmente que obstasse ampla publicidade do que nele contido. O sigilo tão-somente restou decretado posteriormente à realização da live (04/08/2021)”, alegou a AGU, em ofício enviado a Moraes.
O delegado Victor Neves Feitosa Campos, que tocava a investigação sobre o ataque hacker ao TSE até ser afastado por Moraes em agosto do ano passado, disse em depoimento que “não existe nenhuma manifestação judicial quanto a decretação de segredo de justiça”. Acrescentou que só após a entrevista ao vivo de Bolsonaro, um escrivão da PF “alterou, por iniciativa própria, o status de tal inquérito para etiqueta “sigiloso” para evitar acesso ou utilização indevida das informações ali constantes”. Campos forneceu cópia do inquérito no ano passado ao deputado federal Filipe Barros (PSL-PR), que pediu o material à PF para subsidiá-lo no relatório da proposta de emenda constitucional para adotar o voto impresso no país. O delegado disse que atendeu ao pedido porque, além de não haver sigilo à época, não havia diligências em andamento nem prejuízo à própria investigação sobre o ataque hacker ao TSE
A base para isso é uma decisão da própria Corte, de junho de 2018, que julgou inconstitucional a condução coercitiva de pessoas investigadas. O acórdão foi claro ao estabelecer que “a legislação prevê o direito de ausência do investigado ou acusado ao interrogatório. O direito de ausência, por sua vez, afasta a possibilidade de condução coercitiva”. Esse entendimento afasta qualquer cometimento de crime por parte do presidente em razão da ausência. Ninguém pode ser punido pelo exercício de um direito. Se tem direito ao silêncio, não pode ser punido pelo exercício regular de um direito.
Dentro do STF, a avaliação entre parte dos ministros é que um recurso da AGU, se apresentado de maneira respeitosa e fundamentada, evitará um atrito institucional do Planalto com o STF. Uma ala, no entanto, considera que a intimação proferida por Moraes era desnecessária, uma vez que está consolidado na Corte o entendimento de que um investigado não pode ser obrigado a comparecer a um interrogatório. O ministro determinou a intimação por entender que, mesmo que tenha direito ao silêncio, a pessoa investigada não pode impedir a realização de atos procedimentais do inquérito, como o interrogatório. “Entendimento do entende de tudo”.
Em decisão do ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal concedeu ao assessor internacional do presidente Jair Bolsonaro, Filipe Martins, o direito de poder ficar em silêncio em seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, no Senado. Filipe tem a garantia de não se autoincriminar se for instado a responder perguntas cujas respostas possam resultar em seu prejuízo. “O privilégio contra a autoincriminação em momento algum consagra o direito de recusa de um indivíduo a participar de atos procedimentais, processuais ou previsões legais estabelecidas licitamente. Dessa maneira, desde que com absoluto respeito aos direitos e garantias fundamentais do investigado, os órgãos estatais não podem ser frustrados ou impedidos de exercerem seus poderes investigatórios e persecutórios previstos na legislação”, destaca o ministro Alexandre em seu voto.
Recentemente o também ministro do STF Ricardo Lewandowski atendeu, em parte, o Habeas Corpus impetrado pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, determinando que ele, mesmo na qualidade de testemunha, não fosse obrigado a responder a possíveis questionamentos que pudessem incriminá-lo. Ainda sobre a CPI, na condição de investigados, os depoentes têm direito ao silêncio. Eles não precisam se comprometer a dizer a verdade e podem, até mesmo, não comparecer à oitiva. Tais prerrogativas se baseiam no direito do indivíduo de não produzir provas contra si mesmo e não se autoincriminar, garantido pelo inciso 63 do artigo 5º da Constituição. Os artigos 186 e 198 do Código de Processo Penal estabelecem que qualquer forma de silêncio de um investigado não pode ser interpretada ou considerada como uma confissão dos atos.
O promotor de Justiça e autor do livro “O Direito ao Silêncio no Processo Penal”, Marcus Renan Palácio, explica que se consolidou orientação no Supremo Tribunal Federal de que o direito ao silêncio em relação a fatos que possam constituir autoincriminação tem aplicação à situação dos depoentes nas CPIs. “Entendendo-se que a sua invocação não pode dar ensejo a ameaça ou a decretação de prisão por parte da autoridade do Estado”, ressalta. “É jurisprudência pacífica desta Corte assegurar-se ao convocado para depor perante CPI o privilégio contra a autoincriminação, o direito ao silêncio e a se comunicar com o seu advogado”. A garantia contra a autoincriminação no caso das CPIs faz parte de alguns dos exemplos das lições abordadas na 3ª edição do livro “O Direito ao Silêncio no Processo Penal: uma abordagem sobre o princípio ‘nemo tenetur se detegere’”.
Com novas lições doutrinárias e jurisprudenciais e outras decisões das Cortes Superiores nacionais, além do destaque  às redações do parágrafo único do art. 186 e da parte final do art. 198, ambos do Código de Processo Penal,  o livro traz conteúdo atualizado sobre os paradigmas dialéticos que permeiam este interessante e instigante princípio, sua invocada incidência ou a sua alegada não violação em sede de produção de prova.
Sem entrar na previsão de que o impasse já caracteriza uma séria crise institucional entre o Governo/Executivo e o Poder Judiciário, não mais é possível fazer previsão na medida que o clima fica mais tenso/quente e aliada a proximidade das eleições, em geral, o depoimento do investigado é uma das últimas etapas de um inquérito. Antes disso, a polícia reúne as provas ou indícios que apontam que a pessoa teria cometido o crime, para que só então o delegado confronte a pessoa com esses elementos. Depois disso, ele compõe um relatório final, em que conclui se ela cometeu ou não o delito – pessoas que não têm foro privilegiado no STF e respondem por crimes na primeira instância podem ser “indiciadas” nesta fase, que nada mais é que um atestado formal de que, na avaliação do delegado, elas devem ser denunciadas, tarefa que cabe somente ao Ministério Público.
Em inquéritos que tramitam no STF, o relatório final da investigação elaborado pela PF é encaminhado ao ministro relator, que o repassa à Procuradoria-Geral da República (PGR). Cabe ao procurador-geral da República, no caso, Augusto Aras, analisar o material e, a partir disso, decidir entre três opções: 1) denunciar a pessoa formalmente ao STF, se concluir que há indícios suficientes de autoria e materialidade de um crime; 2) pedir o arquivamento do caso, se concluir que não há crime – nesse caso, esse pedido tem de ser acatado pelo STF, conforme jurisprudência já firmada na Corte; ou 3) realizar ou pedir que a PF realize mais diligências para aprofundar a investigação, caso suspeite que há crimes, mas que não há indícios suficientes para uma denúncia.
Na investigação sobre Bolsonaro, que trata do vazamento do inquérito sobre o ataque hacker ao TSE, a delegada responsável é Denise Ribeiro. Ela é considerada uma pessoa de confiança de Moraes e, assim como em outras investigações relatadas pelo ministro, tem respondido diretamente a seu gabinete e faz pedidos ao próprio ministro – ela também tocou a investigação sobre os atos antidemocráticos, que mirava apoiadores de Bolsonaro. Outra encrenca ao Presidente. É possível, portanto, que mesmo após essa etapa de interrogatórios, Moraes considere, junto com a delegada, que seja preciso prorrogar por mais tempo o inquérito. Até o momento, assim como em outras investigações semelhantes relatados por Moraes – inquéritos das fake news, dos atos antidemocráticos e das milícias digitais – a PGR tem sido consultada, mas nem sempre suas posições prevalecem no andamento dos casos.
O Brasil está muito polarizado ultimamente. De um lado, aqueles que tem princípios e honestidade, detestam bandidos. Do outro, aqueles que defendem a bandidagem e relativizam seus crimes. Nunca foi tão fácil escolher nessas eleições. Só não vê quem não quer ou usa tapa-olho. Esse partido político de esquerda, chamado STF, tem tentado atrapalhar a governança do Presidente legitimamente eleito pela maioria dos eleitores. Uma dica: vão quebrar a cara. A corda arrebentou e o Presidente ignorou a ordem ilegal do Tirano, da mesma forma que a Interpol fez em relação ao jornalista Alan dos Santos.
O caso, teratológico, alardeado pela TvGlobo com grande estrépito, com aparência de legalidade, exige um imediato pronunciamento do Pleno do STF, não só para fazer valer o princípio da colegialidade, mas também para deixar bem clara qual a participação de cada Ministro nessa orquestração antidemocrática, pois como é de cediço conhecimento, uma ordem judicial expedida por um Ministro em papel timbrado do STF traz no seu bojo a compreensão, até prova em contrário, de que ela tem respaldo e aprovação de todos os membros da Corte. A propósito, como bem ressaltou o ministro Luiz Fux em seu discurso de posse: "o Supremo do futuro é um Supremo que sobreviverá sempre realizando apenas sessões plenárias. Será uma corte em que sua voz será unívoca.” Prosaicamente, pode-se dizer que, “negacionista” é quem nega os abusos de autoridade do ministro Alexandre de Moraes em face dos seus presos políticos, presentes e futuros…
A Magistratura está completamente desprestigiada por conta de o STF, que deveria ser o farol para todos os Magistrados, hoje não passa de um criador de casos. Lamentável, ao invés desses Ministros buscarem apoio em grandes juristas brasileiros, se comprazem em citar autores alienígenas para ficarem melhores na fita. Muito me honra ser um Magistrado concursado, cujas dificuldades em enfrentar o concurso, ainda me soam terríveis.
Para findar-se nada melhor do que citar o comentário de um leitor ao fazer considerações sobre este caso. “É, estou convicto que nos tempos atuais devemos aprender a sorrir com o olhar, com os gestos das mãos. Ontem num elevador, todos de máscaras, uma criança ao colo da mãe deu-me um lindo sorriso. De máscara no rosto, mesmo com desejo de retribuir, não ousei tirar a máscara, mas procurei fazer a mais explícita expressão de sorrir sem mostrar o rosto. Com o tempo aprenderei.” (Milton Biagioni Furquim - Juiz de Direito)

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