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Padre Sérgio Bernardes
Padre Sérgio Bernardes Reflexões

Já não me lembro, mas ainda está na memória

sábado, 5 de setembro de 2020
Já não me lembro, mas ainda está na memória

Contingência. Há uma semana, procuro pelo termo que me fez falta para finalizar o último artigo. Após uma procura angustiante, me encontrei com a palavra numa conversa comum num aplicativo de mensagens, justamente quando não era mais necessário e, totalmente, incabível na conversa que tinha naquele momento.
Engraçado como algumas coisas nos escapam ao controle, não só no uso das palavras, mas também nos percursos e nas escolhas que estabelecemos para nossa vida. Gastamos tanto tempo e tanta energia em coisas que consideramos essenciais para um determinado momento, mas no momento seguinte, percebemos o quanto aquilo era substituível por outra alternativa mais à mão.
E depois de um tempo, curiosamente, o que desejamos tanto (e corremos atrás com todas as nossas forças) cai diante de nós, despretensiosamente, como um objeto que cai da janela de uma casa, enquanto passamos distraídos pela rua. Por isso, recomendo bastante atenção tanto quando estiver transitando pelas vias da cidade quanto se permitir passear pelas buscas existenciais.
Os franceses têm um termo que sempre me chamou atenção, flâneur. Esse sujeito seria aquele que caminha pela cidade, observando seus detalhes, familiarizando-se com cada detalhe, cada história e cada traço da existência. A partir dessa observação, o flâneur elabora um repertório próprio com conexões livres com outros contextos, que abrem universos de sentido com associações inéditas e torna sua passagem uma experiência rica em sentidos e provocações.
Vejo um problema a se repetir com bastante frequência. A maior parte das desestabilizações está na hiper-fixação nos obstáculos pessoais, sem considerar a vida com uma amplitude impossível de ser encapsulada em nossa compreensão e com uma dinâmica instável desobediente às regras pré-determinadas por nós.
Ter a coragem de se aventurar pelas estradas da vida, observando os detalhes sem deter-se fixamente a eles e olhando para mais lugares, mais pessoas e mais situações, fará de nós pessoas mais conscientes do lugar que ocupamos, pois nos interessaremos em outras coisas além de nós mesmos e nossas coisinhas.
Certa vez, assistindo a um vídeo, o locutor fazia a seguinte reflexão: “Você já parou para pensar que somos 1 em quase 8 bilhões de seres humanos, divididos em 193 países, num dos 8 planetas do Sistema Solar que, por sua vez, compõe um dos sistemas de uma galáxia, a Via Láctea...”.
Depois de ter ouvido essa fala provocativa, confesso que me senti bastante minúsculo diante de toda a vida e todo o universo que me cerca e isso me faz olhar para o mundo, com menos concentração no meu próprio umbigo e nas minhas ideias. Assim, prefiro me divertir com as contingências da vida, em vez de querer dominar algo que está além da minha força e da minha vontade. Permito-me somente viver.

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