Guaxupé, segunda-feira, 29 de abril de 2024
Marco Regis de Almeida Lima
Marco Regis de Almeida Lima Antena Ligada Marco Regis de Almeida Lima é médico, nascido em Guaxupé, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003). E-mail: marco.regis@hotmail.com

Os servidores públicos e a PEC da reforma

sábado, 26 de setembro de 2020
Os servidores públicos e a PEC da reforma

Semana passada meu artigo neste semanário foi uma apologia contrária às privatizações dos chamados setores estratégicos do país, fincando-me nas hidrelétricas, bem como na defesa da estabilidade dos servidores públicos. A este assunto dediquei apenas 20 linhas do artigo, propondo-me hoje a abordá-lo com maior especificidade.
Bem sabido é que existe uma diferença entre os antigamente chamados Funcionários Públicos, atualmente diferenciados entre Servidores Públicos e Empregados Públicos. Os servidores passaram assim a ser enfatizados na Constituição Federal de 1988 (CF), dando a conotação de que estão a serviço dos cidadãos, sendo admitidos no serviço público através de concurso e vinculados a um Regime Jurídico Estatutário, que possui um Regime Próprio de Previdência. A eles é garantida a estabilidade no serviço público, que foi concebida como um instituto jurídico para a garantia do seu desempenho impessoal, imaginado como meio de se impedir a influência política de seus superiores e evitando que sofram perseguições ou demissões injustas. De outro lado, Empregados Públicos, não possuem estabilidade no emprego, são regidos pelo Regime Celetista, isto é, que adota a CLT – a Consolidação das Leis do Trabalho – estando vinculados ao Regime Geral da Previdência Social, embora também admitidos por concurso público. Como empregados públicos citamos aqueles que trabalham em estatais com ou sem participação acionária particular, tais como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, a Petrobrás, Furnas e tantas outras.
Interessante que possa eu estar escrevendo sobre este tema na presente ocasião, com maturidade e experiência política e administrativa, havendo ocupado cargos eletivos na Prefeitura Municipal de Muzambinho e na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Complicado e difícil foi assumir o cargo de Prefeito de Muzambinho, em 1º de janeiro de 1989, passados apenas 87 dias da promulgação da atual Carta Magna brasileira, que deu novos rumos a tudo isso, através de uma parafernália de leis. Era eu um profissional da Saúde, embora um pretenso conhecedor de política e de administração. Mas, nem advogado possuía nosso município, tendo eu criado um cargo de assessoria jurídica, depois transformado em Procuradoria Geral do Município, pela nossa Câmara Municipal, dentro de outra novidade a possuir existência: a Lei Orgânica Municipal, uma espécie de Constituição municipal nunca antes existente, a não ser em casos isolados no Rio Grande do Sul. Hoje, prefeituras e legislativos de cidades do porte de Muzambinho possuem inúmeros advogados, que, muitas vezes, ainda recorrem a empresas de consultorias para a implementação de determinados diplomas legais ou programas, a preços exorbitantes. Na minha época, sem qualquer caráter de nepotismo, até porque o cargo era de confiança, mas, pelo conhecimento que tinha da competência da profissional, da proximidade em que podíamos discutir os assuntos, recorri à Dra. Adalete Nunes Carvalho Lima, minha mulher. Era ela, com seu saber profissional, ora ajudada e ora atrapalhada por dois rábulas, o próprio Prefeito e o versátil assessor João Batista Dias, o Jota Dias, com alguma contribuição à distância do IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal – do qual a municipalidade era associada, que construímos boa parte de um arcabouço legal duradouro de implementação da nova Constituição. Federal, em diversas áreas.
A fim de nos atermos aos servidores públicos municipais de Muzambinho, disso tudo nasceu o nosso Regime Jurídico Único, o Plano de Cargos e Salários, o Estatuto do Magistério, o Regime Próprio de Previdência do Município (o atual IPREM), o 1º Grande Concurso Público do município para quem não tinha exatos cinco anos de serviço, e a consequente estabilidade conferida até a promulgação da nova Constituição, em 5 de outubro de 1988. Muita coisa perdurou por mais de 20 anos, muito ainda perdura, inclusive o orgulho de termos uma das previdências mais saudáveis do Brasil, com mais de R$60 milhões guardados nos bancos oficiais locais. Apenas o concurso foi elaborado e executado por empresa especializada – a ESCAL, de Sete Lagoas-MG. Disso tudo decorre o nosso entendimento e a nossa simpatia pela estabilidade do Servidor Público, sem que tenhamos sido um deles.
Na revista Consultor Jurídico, de 31 de outubro de 2019, o Professor da Universidade Federal de Goiás e Conselheiro de Contas, Fabrício Motta, discorre sobre: (1) Estabilidade não impossibilita a demissão de servidores públicos que não cumprem seus deveres [...] art.41 §1º, incisos I e II da CF, e art.132 e seguintes da Lei Federal 8112/90; (2) Estabilidade não protege o servidor público ineficiente [...] art.41 §1º, inc. III, da CF; (3) Estabilidade não engessa o volume de gastos com pessoal, impedindo redução de despesas que comprometem o equilíbrio das contas públicas [...] art.169 §4º da CF; e (4) Estabilidade não cristaliza os cargos e carreiras, impedindo as adequações necessárias à evolução das necessidades públicas em razão das mudanças dos processos tecnológicos [...] art.41 §3º da CF.Este artigo gerou comentários a favor e em contrário. Vejamos alguns. O Juiz Estadual de 1ª Entrância, José Fernando Azevedo, com 38 anos de carreira escreveu: “A estabilidade afasta a meritocracia e fomenta a leniência, pois o servidor vagabundo, inepto (e há muitos assim) vai sendo deslocado para vários setores já que ninguém o quer e a administração é leniente, não instaura processo administrativo para demiti-lo...”. Luiz Aquino F, que é economista, expressa: “Servidores públicos se apropriando do Brasil. Como? Privatizações da era FHC, cobriu o rombo do setor público. Vende o Pré-Sal cobre o rombo do setor público, vende a Petrobrás cobre o rombo do setor público, vende o BB cobre o rombo do setor público, vende Elétricas cobre rombo do setor público. [...] Saco sem fundo que não acaba nunca”. Em defesa dos servidores vem o advogado trabalhista Felipe Costa: “Antes de tudo, parece-me que quem nutre quase que um ódio pela estabilidade no serviço público, nutre uma espécie de ressentimento, como se sofresse de algum recalque ou frustração”. Percebam o tom do próprio Juiz ou as críticas sem fundamentação do outro, pois nunca se vendeu nada para cobrir “déficit” do funcionalismo federal, aliás, ele vende estatais que nunca deverão ser vendidas.
Os comentários exemplificados são os mesmos que ouvimos por todos os cantos. Quem argumenta contrariamente aos direitos dos servidores públicos o fazem de maneiras pejorativa e grotesca, quase que invejosa. Com a subida ao poder da extrema-direita no Brasil dá para se entender melhor, hoje, manifestações como essas que sempre ouvimos, contraditórias, sem argumentos viáveis, rançosas.
Matéria publicada por Fernanda Gomes, na “Folha Dirigida”, de 24/10/2017, cita o Mestre em Administração, Antonio Batista, que afirma ser a estabilidade uma característica comum aos países democráticos, sendo um lema quase que sagrado na França. Há uma série de reportagens ou trabalhos encontrados na internet que demonstram existir outros países com maior número ou maior gasto com servidores públicos, deixando claro a existência de outros interesses por trás disso.
Isaías Dalle, da Fundação Perseu Abramo, publica no “site” Rede Brasil Atual, um “pool” de comunicação intersindical, em 28/8/2018: “Dieese desmonta mito neoliberal que País tem excesso de servidores públicos”. No seu todo dá uma clara ideia do que sempre está por trás da aversão não somente à estabilidade como a toda uma categoria de trabalhadores. Leiamos: “Se os números oficiais e internacionais desmentem a tese de que a folha do funcionalismo é inchada, por que a mídia e os conservadores insistem em fazer terrorismo?Algumas respostas podem ser encontradas em artigo recente publicado por Paulo Kliass e José Celso Cardoso Jr., intitulado Três Mitos Liberais sobre o Estado Brasileiro. Basicamente, a ideia dos que defendem a diminuição do Estado é abrir caminhos para que o orçamento público reserve mais fatias para a iniciativa privada. Com os serviços públicos enfraquecidos – ou com a imagem prejudicada por conta da campanha difamatória –, quem pode corre para serviços privados como escolas e saúde. Grupos empresariais abocanham mais fatias de mercado. E o poder público terá mais verbas para destinar ao mercado financeiro, como na rolagem dos juros da dívida pública.O esforço para demonizar o serviço público se presta também a justificar, falsamente, iniciativas como a Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos por 20 anos, atrelando-os somente à inflação e desvinculando esse item de outros indicadores como o PIB e as receitas”.
A reforma administrativa, que tramitará no Congresso Nacional como uma PEC – Projeto de Emenda Constitucional – foi apresentada pelo Governo Bolsonaro no último dia 3 de setembro. Ela defende a estabilidade, mesmo assim com algumas flexibilizações, apenas para as chamadas Carreiras Típicas de Estado, como policiais, diplomatas, fiscais e, quiçá, professores. A estampa de quem a defende fica caracterizada nas pessoas e partidos que os servidores deveriam rejeitar jánas futuras eleições de prefeitos e vereadores. É só conferir. Por exemplo, o Coordenador da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa é o Deputado Federal mineiro, Tiago Mitraud (origem do francês com pronúncia “Mitrôd”), do Partido NOVO, o mesmo do Governador Romeu Zema. Ainda bem que existe uma corrente oposta: a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Servidor Pública, coordenada pelo Professor Israel (PV/DF). Como disse o Ministro do Meio Ambiente em reunião ministerial. Enquanto o assunto é a Pandemia, aproveitamos e passamos uma boiada.
 
 
 
 

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