Guaxupé, domingo, 28 de abril de 2024
João Júlio da Silva
João Júlio da Silva PAPOENTRELINHAS João Júlio da Silva é jornalista em São José dos Campos (SP), natural de São Pedro da União e criado em Guaxupé. Blog https://papoentrelinhas.wordpress.com

Trevas e luz das estações

quarta-feira, 2 de setembro de 2020
Trevas e luz das estações Ilustração: Obra “Arbustos de primavera” – 1925 - do pintor Paul Klee / 1879-1940, suíço de nacionalidade alemã.

Para eles tudo parece brilhar, é como se tempo feio fosse algo muito desconhecido. A todo instante, estão a sorrir, gesticular e exibir seus grandes feitos. Até parece que o sol nasceu só para eles. É "lugar comum" chover sempre em suas hortas.
Mas, por mais que faturem alto, conquistem tudo e ganhem o mundo, por mais que tenham um descomunal prazer de se estar sempre por cima, estejam sob os holofotes da fama e do sucesso, jamais serão vencedores, pois falta-lhes o essencial: a luz.
Em tempos de escândalos mil e tanta impunidade é nítida a inversão de valores que grassa de forma abusiva e, pior, muitas vezes até festejada. Algo de podre parece tomar conta dos ambientes, avança por aí uma escuridão que tudo invade e contamina como chaga imbatível.
Os dias são maus e as armadilhas estão espalhadas pelo caminho. O inimigo, que está em muitos, ronda e rosna em derredor. Um ruído de asas tenebrosas grita em todas as direções e as trevas apontam suas garras sobre vidas que tropeçam, caem e sucumbem sem socorro algum.
Tentam todas as estratégias possíveis e imagináveis para derrubar e destruir. Os desavisados, distraídos e fracos são presas fáceis. Num piscar de olhos, num aceno e gesto sutil ou numa palavra atravessada, desponta o perigo e desaba o temporal. O cenário está armado para a batalha além do visível, mas real.
Em meio a raios e trovoadas, aquele que traz na alma o alvorecer da grande manhã acaba também atingido, mas persevera e segue, embora trôpego e roto, rumo ao abrigo seguro. O soldado fica ferido, mas não derrotado, pois ele confia que um novo dia vai surgir adiante trazendo a vitória de sua batalha, por isso, ele é muito mais que vencedor. E mesmo que a ação inimiga seja tão forte e que ele venha a sucumbir, a morte nada é, pois tem a luz que abre todas as portas.
Embora o campo de guerra seja sombrio, de violência imensurável, ossos expostos e morte explícita, o que tem sobre si o poder triunfante que faz novas todas as coisas, jamais ficará desprotegido no abismo para sempre, pois a mão que tudo restaura há de resgatá-lo com toda a luminosidade, mesmo no mais fundo dos poços.
A tribulação fere, muitas vezes dói na alma, mas também ensina e fortalece o caminhar, pois muitas outras batalhas ainda estão por vir. Os monstros estão à espreita, rosnando e procurando a quem possa tragar. Não se pode ficar distraído por aí, o perigo está de tocaia e aguarda o momento do ataque.
Eles sabem muito bem o que tramar, onde agir e a quem afetar, pois é para isso mesmo que vieram, fazer vítimas. A estupidez e a impiedade sobrepõem a qualquer tentativa de harmonia. O clima é hostil, a tensão aumenta, a atmosfera é de terror e pesada. Algo está sempre por desabar.
É quase impossível não ser contaminado por este ar carregado e viciado. Por quase nada, algo insignificante, o tempo se fecha e está arquitetada a grande investida.
Muitas vezes, até o que deseja a paz sente uma grande vontade de desembainhar a espada e sair cortando, "pedrosamente", as orelhas que atravancam o caminho. Mas, é preciso se conter a tempo, pois qualquer reação abrupta só faz aumentar a ferocidade de quem ataca.
Por mais que esteja abatido e sombrio, o que tem a promessa da luminosidade está a anos-luz daqueles que optaram pela escuridão.
Os tropeços e quedas são inevitáveis, mas há que se levantar e firmar os passos, pois o grande dia já desponta no horizonte para o abraço final da vitória. E ela não tarda, conforme está nas promessas guardadas na mente daquele que crê nesse novo alvorecer.
É por essa esperança, apesar dos dias sombrios, que me alegro pela primavera que está por chegar. Já vejo os ipês dourados brilhando pelo caminho, anunciando uma nova estação, são portais entre o inverno e a primavera. Então me vem à mente uma velha e conhecida canção. Assovio alegre, até ouso cantarolar, mesmo desafinado: "Quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos... muitos se perderam no caminho, mesmo assim não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera. Abre as janelas do teu peito. A lição sabemos de cor, só nos resta aprender".

 

Comente, compartilhe!