Guaxupé, sábado, 27 de abril de 2024
João Júlio da Silva
João Júlio da Silva PAPOENTRELINHAS João Júlio da Silva é jornalista em São José dos Campos (SP), natural de São Pedro da União e criado em Guaxupé. Blog https://papoentrelinhas.wordpress.com

Poetar as faces da palavra nos 33 anos sem Drummond

terça-feira, 18 de agosto de 2020
Poetar as faces da palavra nos 33 anos sem Drummond

O mundo das palavras completou nesta segunda-feira 33 anos da morte do maior poeta do Brasil, o mineiro Carlos Drummond de Andrade. Nascido em Itabira em 31 de outubro de 1902, Drummond morreu no Rio de Janeiro em 17 de agosto de 1987. Com a sua partida ficou um vazio, mas o poeta ainda se deixa esparramar com o pulsar de seus versos.
A poesia me atrai e me acena com caminhos por desbravar. Os versos são como raios inventando mundos ainda por descobrir. O delírio e a lucidez andam de mãos dadas por jardins que aguardam as flores de cada passo dado em sua direção. Enfim, poetar é como ter um caminho mesmo que não se tenha direção alguma. Nesse caminhar é possível ir além dos próprios passos.
Num tempo de tanta tecnologia e quase ausência de sensibilidade, a poesia já pode até ser considerada como algo de outro mundo. De um lugar onde a vida ainda é capaz de pulsar a beleza natural como num simples ato de respirar. Um mundo paralelo de sonhos, sentimentos e ideias, o mundo das palavras.
É nesse universo deslumbrante que busco a lembrança do fazedor de versos de mão-cheia e, com todo o respeito, ouso brincar com as palavras que escorrem por entre seus dedos de mestre. Seus versos são muito mais que poesia, são a sua própria vida. Assim, viajo e brinco com essa leveza de fotografia pendurada na parede.
O observador no escritório, da cadeira de balanço, sentiu a paixão medida na nudez do corpo da moça deitada na grama. Era o amor natural como a rosa do povo à boca de luar. Mesmo assim, tentava esquecer para lembrar que amar se aprende amando.
Talvez de seu autorretrato, o menino antigo revelasse confissões de Minas sobre a história de dois amores. A vida passada a limpo com amor, amores.
Tal como um fazendeiro do ar em Minas Gerais, com uma viola de bolso, domou o boitempo com o poder ultrajovem. Mas o avesso das coisas contém as impurezas do branco, onde está o brejo das almas.
Fez do discurso de primavera e algumas sombras mais que contos de aprendiz que o pipoqueiro da esquina considerou como a lição das coisas para gostar de ler.
Ele se foi, mas José se deixou ficar em poesia até agora. A lição do amigo tornou-se poesia errante como claro enigma, uma pedra no meio do caminho com todo o sentimento do mundo.
Agora, de um banco da praia de Copacabana está inerte na solidez do metal, como alguém que aguarda algo para voltar para casa e derramar sobre a mesa o elefante em versiprosa. E com José & outros, talvez o gerente, aguardem a visita que nunca chegará para a reunião, uma nova reunião para tratar de soneto de buquinagem, dos caminhos de João Brandão com o marginal Clorindo Gato ou até, quem sabe, de passeios na ilha. Fala, amendoeira de tempo vida poesia a quatro vozes com andorinha, andorinha.
É, de notícias & não-notícias faz-se a crônica, alguma poesia, novos poemas, até contos plausíveis sobre a bolsa & a vida...
Como ficou muito bem nítido, as palavras acima estão recheadas de alguns títulos da obra de Drummond. Fiz uma salada poética numa singela homenagem sobre os 33 anos de sua morte.
Do mundo das palavras, Drummond mostra o caminho das pedras: "Chega mais perto e contempla as palavras, cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave?".
No seu último livro, organizado antes de sua morte, em 1987, e publicado depois, "Farewell", o livro do "adeus", Drummond escreve em tom de despedida: "Quando vim da minha terra, não vim, perdi-me no espaço, na ilusão de ter saído. Ai de mim, nunca saí". É como se respondesse ao verso escrito em 1940 no livro Sentimento do Mundo: "Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!". Com simplicidade fez seus primeiros versos e viveu toda a sua obra; com ela, fez também a sua despedida poética.
Num tempo em que a humanidade caminha a passos largos para a sua própria destruição, a poesia é como flor que sobrevive ao caos e, com certeza, faz muito bem à vida. Se os seres, ditos humanos, tornassem sua leitura uma constante, o mundo estaria sim, sem nenhuma dúvida, muito melhor e mais habitável.
A lição do amigo tornou-se poesia errante como claro enigma, uma pedra no meio do caminho com todo o sentimento do mundo.
O poeta maior se foi, mas seus poemas continuam reflorescendo a cada dia. Termino com o seu adeus numa expressão máxima de liberdade: "O pássaro é livre na prisão do ar. O espírito é livre na prisão do corpo. Mas livre, bem livre, é mesmo estar morto".
 
 

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