O descanso de um guerreiro sublime
quarta-feira, 12 de agosto de 2020
O guerreiro sublime descansou após ter combatido o bom combate a vida toda. Em um momento tão sombrio de nossa história como o atual, o país fica ainda menor e mais obscuro com a partida de Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso.Ele morreu aos 92 anos no último sábado, dia 8.
Um dos maiores defensores dos direitos humanos e da Amazônia, ele foi também uma grande referência contra a ditadura militar.
Conhecido como o "bispo do povo"pela defesa dos povos indígenas e pela luta contra a violência no campo, ele dedicou a vida a derrubar as cercas da ignorância, da desigualdade e injustiça social e da falta de amor e solidariedade.
Nascido em 16 de fevereiro de 1928 na Catalunha, mudou-se da Espanha para o Brasil aos 40 anos. Veio como missionário em 1968, para trabalhar em São Félix do Araguaia. Naturalizado brasileiro, ele partiu em missão no coração da Amazônia em plena ditadura. Se opôs ao regime, defendendo os trabalhadores sem-terra, ribeirinhos e os povos indígenas. Como religioso engajado na luta social, foi um dos fundadores e expoentes da Teologia da Libertação.
Foi oposição ferrenha à ditadura, aos grandes proprietários de terras e até ao Vaticano, defendendo camponeses e índios. Vivendo sob a constante ameaça de assassinos de aluguel contratados por latifundiários, foi um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), duas fortes bases na luta pela reforma agrária.
O bispo do povo escolheu viver em defesa dos desvalidos nos confins da Amazônia, um guerrilheiro sem armas na mão, que encarou os grandes latifundiários da região e crítico contumaz do neoliberalismo. “Nenhuma escravidão no mundo tem sido mais cruel que o capitalismo neoliberal. Nenhuma escravidão fez mais escravos, nenhuma guerra tem feito mais vítimas que o neoliberalismomundializado, isso é evidentíssimo. O neoliberalismo é uma macroditadura. Além do dinheiro, tem as armas. O neoliberalismo é homicida”, disse certa vez em uma entrevista.
Por tudo que defendia e lutou, foi preso, presenciou a tortura e o assassinato, sofreu processos de expulsão do país, foi jurado de morte, escapou de tocaias, e respondeu a inquérito militar durante a ditadura. Algumas lideranças da igreja recomendaram que fosse banido do meio religioso, considerado como “subversivo”.
Corajoso, enfrentou as adversidades com hombridade, humildade e fé. Viveu a pobreza evangélica até as últimas consequências. “Não ter nada, não levar nada, não poder nada, e de passagem, não matar nada, não calar nada. Somente o Evangelho como faca afiada e o pranto e o riso no olhar. E a mão estendida e apertada e a vida, a cavalo, dada.E este sol e estes rios e esta terra comprada com testemunhas da ressurreição já estalada. E mais nada”, disse em um de seus escritos.
Além da luta em campo contra os opressores, o bispo também publicou diversos livros em vários idiomas, sobre teologia, política e poesia. Sim, ele era um poeta, alguém que sentia em si a dor do outro. “Na dúvida, fique do lado dos pobres”, dizia o cristão que abraçou camponeses e indígenas.
Um homem lendário, um verdadeiro monumento da consciência brasileira, um revolucionário que sempre esteve ao lado dos mais pobres, um grande defensor dos direitos humanos, principalmente, dos povos indígenas, tão massacrados no desgoverno atual. Dias tristes os quais estamos vivendo!
Sua partida deixa um grande vácuo no campo da luta por justiça social, mas seu legado mostra que é preciso manter a firmeza sempre e a não esmorecer diante das injustiças desse mundo. Ele ficarána memória de todos os pobres que defendeu, dos martirizados pelo latifúndio, nos libertos da opressão, fortalecendo a fé e a esperança na luta por um mundo melhor. Seu legado de humildade, sabedoria e força estará presente com aqueles que ousam sonhar com novos horizontes.
O fervoroso defensor dos indígenas da Amazônia, da floresta, dos camponeses e desvalidos deste país, agora descansa como um guerreiro sublime.
Que a luta e as palavras de Dom Pedro Casaldáliga floresçam a cada manhã, pois, como disse, “sem utopia, a vida não vale a pena, nem a alegria”!