Guaxupé, quarta-feira, 24 de abril de 2024
Política

Câmara de Guaxupé aprova projeto de lei suspeito de ilegalidade

terça-feira, 11 de maio de 2021
Câmara de Guaxupé aprova projeto de lei suspeito de ilegalidade Foto: Câmara Municipal de Guaxupé/Arquivo

Parece que no Brasil existe algo incompreensível para um cidadão com um mínimo de discernimento. A legislação brasileira não exige que um candidato a qualquer cargo eletivo, seja ele do executivo ou do legislativo, comprove um mínimo de escolaridade e ou de conhecimento técnico jurídico, basta que o mesmo saiba rabiscar o próprio nome.
O legislador, aquele que vai elaborar e redigir os projetos de leis, pode ser um verdadeiro analfabeto, porém os candidatos ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, necessariamente, precisam comprovar que são bacharéis em Direito, com atuação mínima de dois anos na área, serem submetidos a um concurso público e depois de aprovados realizarem cursos específicos para depois iniciarem nas respectivas carreiras.
Salvo melhor juízo, parece que a falta de comprovação de um mínimo de conhecimento técnico jurídico tem se refletido na Câmara Municipal de Guaxupé. A impressão que se tem é de que alguns dos edis não conseguem distinguir o que mérito e o que é legalidade de um projeto de lei.
Na última segunda-feira, 10 de maio, durante a realização da 7ª Sessão Ordinária, foi aprovado um projeto de lei de iniciativa do legislativo que pretende estabelecer a criação de uma “Patrulha Maria da Penha”. Não se pode deixar de reconhecer a boa vontade e a boa intenção do legislador, porém também não se pode deixar de arguir a legalidade e a constitucionalidade do projeto aprovado por unanimidade de votos, inclusive daqueles que detêm conhecimento técnico jurídico e que, portanto, deveriam resguardar a boa imagem daquela Casa Legislativa.
A Constituição Federal estabelece que os poderes constituídos da nação são harmônicos e independentes, com as suas respectivas atribuições e funções.
Nesta esteira, o Poder Legislativo só pode apresentar e aprovar projetos de lei de sua iniciativa, e que criem despesas para o Executivo, desde que apresente a fonte de receita para o respectivo custeio.
 
Suspeita de vício de iniciativa
No caso em tela, a Câmara Municipal aprovou um projeto de lei que cria despesas, porém não apresentou a fonte de receita para execução do mesmo. Portanto vejamos o que estabelece o art. 3º, já devidamente remendado, do mencionado projeto de lei: “A Municipalidade, através de Decreto próprio nomeará os membros da “Patrulha Maria da Penha”, com a capacitação de Guardas Municipais da patrulha e dos demais agentes públicos envolvidos para o correto e eficaz atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, visando o atendimento humanizado e qualificado, cuja coordenação será de responsabilidade da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social, com apoio da Secretaria Municipal de Saúde e da Secretaria Municipal Desenvolvimento Social”.
 
Suspeita de ilegalidade
Pois bem senhores leitores, se não bastasse a suspeita de vício de iniciativa, o malfadado projeto de lei ainda padece de outras supostas irregularidades.
O parágrafo 8º, do artigo 144, da Constituição Federal estabelece: “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”.
Portanto, por dispositivo constitucional, a Guarda Municipal, obrigatoriamente, tem que se limitar “à proteção de bens, serviços e instalações de propriedade do Município”, e nada mais do que isto e jamais poderá atuar “na fiscalização, proteção, prevenção, monitoramento e acompanhamento das mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar que possuam medidas protetivas de urgência em situação de violência no município de Guaxupé”, conforme prescreve o parágrafo único do art. 2º do mencionado projeto de lei.
 
Suspeita de invasão de competência
O parágrafo 5º, do art. 144, da Carta Magna, prescreve: “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”, portanto fica evidente que a segurança pública no sentido amplo da palavra é de competência exclusiva da Polícia Militar, não podendo a Guarda Municipal usurpar o poder de “proteção e de prevenção à mulheres vítimas de violência doméstica”, bem como de qualquer outra pessoa específica.
Acrescente-se que a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, já vem realizando o chamado Patrulhamento Maria da Penha.
Por outro lado o parágrafo 4º, do já mencionado art. 144 da Constituição Federal estabelece: “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
Portanto, salvo melhor juízo, Guardas Municipais também estão impedidos de realizar “o monitoramento e acompanhamento das mulheres vítimas de violência doméstica”, além fazer qualquer outro tipo de investigação, prerrogativas exclusivas da Polícia Civil.
 
Ineficácia
Apesar de tudo exposto, o projeto de lei ainda padece de outro suposto vício. O art. 4º do projeto de lei, depois de remendado, ainda prescreve: “o Poder Executivo poderá regulamentar a presente Lei, no prazo (sessenta) dias”.
Dignos e respeitados leitores, toda lei tem que ser taxativa, a disposição de que o Executivo “poderá” regulamentar a mencionada lei abre uma brecha para a sua inaplicabilidade e ineficácia.
 
Desfecho
Como o projeto de lei foi aprovado por unanimidade de votos dos vereadores, o trâmite normal é que o mesmo seja encaminhado ao Executivo, que poderá sancioná-lo, vetá-lo ou até mesmo silenciar-se. Caso o prefeito vete, o veto será submetido à apreciação dos vereadores. Na hipótese do veto vir a ser rejeitado, o Executivo poderá ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade, cabendo ao TJMG, Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidir quanto à constitucionalidade e legalidade do mesmo.
 
Ministério Público
Certamente que os dignos e respeitados representantes do Ministério Público Estadual responsáveis pelas searas, criminal e da Curadoria do Patrimônio Público estarão atentos no desenrolar dos fatos e também poderão investigar os verdadeiros motivos que levaram os vereadores a aprovarem um projeto de lei com suspeitas de vícios. (WF)

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