Guaxupé, quinta-feira, 28 de março de 2024
Padre Sérgio Bernardes
Padre Sérgio Bernardes Reflexões

"Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no universo"

sexta-feira, 18 de setembro de 2020
"Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no universo" Foto: Divulgação

Desde criança, me reconhecia como alguém que olha o longe e, por isso, possuía a visão um tanto quanto distante da realidade que me cercava, isso me ajudou inúmeras vezes a romper com alguns padrões de comportamento que me limitavam, porém favoreceu uma certa dose de descolamento com as situações e as pessoas mais próximas.
O que poderia soar aos ouvidos mais desprendidos como uma boa experiência de desapego a tudo, na verdade, escondia uma incapacidade de considerar o valor do que é próximo, possível, incompleto e real. Observo muitas pessoas cultivando experiências, estabelecendo diálogos e planejando rotas de fuga, tudo isso relacionado a um lugar imaginário, sem a menor preocupação com a vida de verdade, dura, cotidiana, mas autêntica.
Dias atrás, surgiu como indicação no leitor digital o livro Hygge – O segredo dos dinamarqueses para uma vida feliz em qualquer lugar. Aparentemente, o livro parecia ser a chave para um paraíso de paz interior, liberdade e conforto existencial. Não o li, ainda, mas lendo a descrição, despertei para uma interrogação pessoal: afinal de contas, por que estaria eu interessado no modo de viver dos dinamarqueses, se nunca busquei interpretar nem o jeitinho sul mineiro de olhar as coisas?
Considero extremamente válida a amplitude do conhecimento e da percepção de realidades diferentes da nossa, especialmente pela via da leitura que tem o mágico poder de tornar tudo mais intelectivo e, exatamente por isso, não tão fiel à vida nossa de cada dia. Será mesmo que os dinamarqueses, com sua minúscula população e uma economia bastante estável, vivendo num reduzido território, comparado ao estado do Rio de Janeiro, seriam tão felizes assim?
Gosto da forma como existo e reflito a partir da minha vida de carne e osso. Assim, me permito olhar para outras formas de existência, não mais como alguém que procura desesperadamente apagar a sua história e reescrevê-la em outros cenários, com distintos personagens e roteiros, mas tento observar e reconhecer o valor da minha gente e como tudo à minha volta me influencia e me faz ser quem sou.
Por muito tempo, considerei ir embora do país, mudar o idioma e viver em outras culturas, hoje, percebo que me tornei um bom resultado (ainda em construção) de minhas vivências e das percepções sobre a minha história. E, por isso, tenho aceitado meu lugar no mundo, não como um fardo obrigatório e condenatório, mas como oportunidade de fortalecer as raízes que me dão suporte para enfrentar os ventos e as tempestades. O passaporte, tão sonhado outrora como símbolo de liberdade, por enquanto fica esquecido na gaveta. (O Título é do poema O guardador de rebanhos, de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa)

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