Guaxupé, quinta-feira, 28 de março de 2024
Padre Sérgio Bernardes
Padre Sérgio Bernardes Reflexões

Como uma onda no mar

quinta-feira, 10 de setembro de 2020
Como uma onda no mar

Periodicamente, reorganizamos nossas mesas de trabalho, mas você já parou para pensar o quanto elas só funcionam em estado de desorganização? Um espaço organizado sistematicamente funciona só nos mostruários de lojas de móveis chiques, mas nunca na vida real.
Pode reparar, estações de trabalho sempre correspondem ao grau de produtividade de cada um. A minha, confesso, está sempre cheia de lembretinhos para não me deixar esquecer de nada importante. E, quando insisto em organizá-la, passo uns dois dias sem nem querer me aproximar da mesa para não bagunçá-la novamente.
Às vezes, o desarranjo é o jeito confortável das coisas permanecerem em nós. Não sei você, caro leitor, mas com quase um ano de processo analítico no curriculum vitae, me sinto à vontade, cada vez mais, com algumas coisas internas e externas que parecem funcionar somente em assimetria e paradoxalmente. O mais estranho em perceber isso é que nos damos conta do tempo que perdemos ao tentar ajeitar tudo à nossa volta e dentro de nós.
Com isso, lembro a época de faculdade, quando um amigo entrou no meu quarto e depois me enviou uma mensagem desaforada: “Se a sua vida interior estiver como a organização do seu quarto, precisamos conversar urgentemente”. Hoje, dou risadas dessa situação porque já não tento mais viver como se tivesse o controle da situação, na verdade, tenho aumentado progressivamente a consciência que não consigo controlar nada.
Já reparou que boa parte das nossas frustrações vêm justamente dessa vontade tão absurda de nos colocarmos como engenheiros e administradores da existência? A terrível angústia que invadiu quase todo mundo na pandemia se instala justamente aí, supúnhamos que controlávamos a realidade, mas (felizmente) descobrimos que não. Todo o esquema humano de manutenção social praticamente sucumbiu diante de nossos olhos através das telas.
Conversando com um amigo, falávamos sobre o impacto que tudo isso causou nas pessoas e ele me disse, quase num desabafo, “estamos sem chão, nossos referenciais se perderam”. Concordo com ele, mas acho que vivemos sim num tempo líquido, termo famoso criado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, e precisamos aprender a caminhar sobre as águas. A realidade sólida e estável, experimentada por alguns anos de estabilidade, dá sinais de término, aqueles que souberem surfar na onda de instabilidade e fragmentação serão os que se manterão de pé nos novos tempos.
Por isso, mais do que nunca, chegou o momento de rompermos com a fixa ideia de estabelecer planos a longo prazo, contando com a invariabilidade do mercado, do cenário político ou das relações sociais, tudo isso tende a se tornar mais volátil a cada minuto. Assim, sugiro que você escolha uma boa poltrona, pegue um café e relaxe, o jogo da vida não está mais em nossas mãos, ou melhor, nunca esteve. Nós que alucinamos por um longo período.

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