Guaxupé, quinta-feira, 18 de abril de 2024
Padre Sérgio Bernardes
Padre Sérgio Bernardes Reflexões

“QUANDO QUIS TIRAR A MÁSCARA, ESTAVA PEGADA À CARA”

sexta-feira, 17 de julho de 2020
“QUANDO QUIS TIRAR A MÁSCARA, ESTAVA PEGADA À CARA” Imagem: (opiniaocentral.wordpress.com/)

         Um livro clássico indicado por um amigo espera por ser lido, empoeirado na mesa de cabeceira, do mesmo modo o relatório do trabalho a ser escrito, o arquivo aberto, mas nem sequer uma linha desenvolvida. A série cultiniciada está com a temporada pela metade, esperando o estado de espírito propício para ser retomada, assim como uma conversa decisiva do início da pandemia e que não trouxe soluções concretas além do “vamos conversando”.
         Tantas e tantas coisas se adaptam à situação de banho-maria que estamos desde... Sei lá, pelas minhas contas já passamos de uma década. É um ato teatral dramático nos colocando em suspenso, aguardando a próxima ação que desenrolará a história, não saímos do palco, mas estamos inertes, nos entreolhando, sem que ninguém conheça qual o próximo gesto ou a fala seguinte do roteiro.
         Há em mim uma sensação angustiante de congelamento da realidade, uma vida morna a aguardar angustiada pelo quente ou pelo frio. Não importa mais, o que preciso, hoje, é de definições e prazos, resoluções que indiquem sim ou não. Deus me livre do talvez. É insuportável a imprevisibilidade em não saber quando e onde devo me apresentar para a vida normal novamente.
         Daí vem a dúvida torturante: manter-se apto psicologicamente e em prontidão para o retorno iminente ou deixar-se solto, dentro dos limites de casa, obviamente, sem apertar os cintos e esquecer a agenda numa das gavetas da escrivaninha? Mas a rotina normal não virá, ao menos, por agora, se demorará por mais um período. Até quando? Não sei e ninguém sabe.
         Ouço falar de um novo normal e que, aos poucos, retornaremos às nossas atividades, porém com algumas adaptações necessárias para uma nova vida, parecida com a de antes, mas, ao mesmo tempo, diferente e transformada. Me vêm perguntas terríveis: será que quero alterações na minha vida rotineira ou, ainda, serei eu capaz de me acostumar a elas?
         Isso me aterroriza, não por ser alguém apegado às coisas, aos lugares e às situações, justamente o contrário, mas por estar acostumado a mudanças dentro de um espectro razoável de possibilidades.
         A simples ideia que a sociedade pode alterar-se de uma hora para outra me causa a estranha sensação de termos falhado como civilização e me pego disposto a juntar os cacos, a querer que tudo volte a ser como sempre foi, chego ao absurdo de desejar até mesmo pelas nossas falhas humanas, as quais já estávamos acostumados a criticar e até mesmo combater.
         Não estou pronto para mudanças tão profundas no sentido da vida e acredito que boa parte da humanidade também espera pelo retorno do nosso bom, errado e velho mundo de antes.

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