Guaxupé, quinta-feira, 25 de abril de 2024
Marco Regis de Almeida Lima
Marco Regis de Almeida Lima Antena Ligada Marco Regis de Almeida Lima é médico, nascido em Guaxupé, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003). E-mail: marco.regis@hotmail.com

“DITADURA NUNCA MAIS” sob riscos

sexta-feira, 2 de abril de 2021
“DITADURA NUNCA MAIS” sob riscos

Na minha juventude era comum que escutássemos referências à expressão “república de bananas”. Ela dizia respeito à fragilidade de certos governos de países latino-americanos e sua suscetibilidade a golpes de estado ou a intervenção política ou militar dos Estados Unidos da América – EEUU. Pesquisas pela internet dão conta de publicações digitais no Portal Terra e Jornal Cinco, originárias da BBC Mundo, em que esta faz uma abordagem de matéria do jornal inglês ‘The Guardian’ focando o Brasil 100 dias antes das Olimpíadas de 2016, onde se pinça a frase: “o Rio de Janeiro entra na reta final olímpica parecendo mais uma clássica república de bananas”. Então, destrincha a BBC News Mundo que tal expressão foi criação do escritor norte-americano William Sydney Porter, num conto denominado ‘O Almirante’, em 1904, que descreve uma pequena república de bananas, ficticiamente chamada de Anchúria. Críticos literários acreditam que na realidade seria Honduras, nação da América Central onde Porter morou.
No entanto, na época em que eu escutava tais referências às republiquetas de bananas havia uma nítida associação feita com a poderosa empresa produtora de alimentos, a “United Fruits”, sendo que os países que ela abrigava eram considerados quintais dos EEUU. Nas publicações que acabamos de relacionar há a citação de livro do jornalista do “Financial Times”, Peter Chapman, “Bananas: Howthe United FruitCompanyShapedthe World”, ou, em tradução livre: Como a ‘United FruitCompany’ Moldou o Mundo’, Editora Grove Atlantic. Nele, Chapman explica que a instalação desta e outras empresas se davam em troca de terras para a produção de bananas e com promessas delas construírem estradas, ferrovias e portos, que, muitas vezes, somente favoreciam a elaspróprias. O livro também fala do envolvimento da companhia na invasão de Honduras, em massacre na Colômbia e em golpe de Estado na Guatemala.
Por outro lado, a matéria da BBC traz a opinião do historiador Luís Ortega, professor da Universidade de Santiago do Chile, afirmando que esta rotulagem ao Brasil é “incorreta e leviana”. Ele faz alusões à situação política e social do Brasil de 2016, dizendo que as pessoas poderiam ser favoráveis ou contra o “impeachment” da Presidente Dilma Rousseff, acreditarem ou não na corrupção na Petrobrás, mas, “em qualquer caso as instituições estão funcionando”. Para Ortega, repúblicas de bananas foram países marcados por essa monocultura, dotados de instituições governamentais fracas e corruptas, nos quais empresas estrangeiras tiveram o poder de influir nas decisões nacionais.
No mundo atual, em que tantos esforços são feitos para a consolidação ou implantação de regimes democráticos, o Brasil parece ter dado marcha a ré, querendo desmentir o professor Ortega, coincidentemente desde a época em que ele fez a nossa defesa. A corrupção inaceitável dentro da nossa petrolífera e o impedimento da Presidente Dilma, atribuído às chamadas pedaladas orçamentárias, depois de tentativas da sua derrubada por diversas outras acusações, ensejaram uma reviravolta política e social no nosso país.
A chegada ao poder do capitão da reserva do Exército brasileiro, Jair Bolsonaro, como aparente reação à roubalheira e na descrença com a política, ensejaram movimentos de retrocesso e de abalos na nossa estrutura democrática. Esse caldo de cultura propiciou o surgimento de lideranças e apoio de grupos populares caracterizados por agressividade coletiva e um comportamento de manada que, pessoalmente, nunca observei durante o ciclo militar instalado a partir de 1964, sob o qual vivi. Naqueles 20 anos de regime autoritário, o que se observava na cúpula dirigente brasileira era um esforço e uma maquiagem no sentido da formatação da imagem de um país democrático. Isto se dava pela alternância dos generais no poder, convalidada por um Congresso Nacional eleito pelo povo, apesar de todos os casuísmos e artimanhas da legislação eleitoral. As violações aos direitos humanos eram camufladas ou sonegadas diante da censura à imprensa. Certamente que houve um período mais agudo, quando da vigência do AI-5, que, também foi de confronto com as guerrilhas urbanas, no Caparaó e no Araguaia. Pelo contrário, hoje, existe uma considerável fatia da população obstinada pela total ruptura democrática, desejando o fechamento do Congresso Nacional e do STF – Supremo Tribunal Federal. À frente dessa horda de bárbaros, temos o Presidente da República que nunca escondeu sua simpatia pela ditadura, que sempre se regozijou com a tortura e com torturadores.
Faz mais de um ano que nosso planeta vive uma guerra sanitária, numa porfia permanente contra inimigos invisíveis, em cujo “front” luitam os exércitos da Saúde, municiados na retaguarda pela Ciência. Além dos milhões de vidas humanas perdidas pelo Mundo, háperversas repercussões econômicas e sociais. Nesse cenário o Presidente Bolsonaro comporta-se ele com frieza e insensibilidade diante do sofrimento das vítimas e dos seus familiares. Ou não é assim quando o Presidente qualifica os “Fica em Casa” de “maricas ou bundões”, que deveriam enfrentar o vírus de “peito aberto como eu que sou atleta”? Ou não é assim quando deixa de confortar os doentes ou familiares deles ou dos mortos? Ao invés de gestos humanos, sapeca grosserias como: “chega de mimimi, todo mundo morre um dia”. Ou: “E daí, não sou coveiro”.
O Presidente, ao facilitar o uso de armas de fogo e de estimular sua importação, decretando isenção de impostos, no fundo quer armar suas milícias de rua num possível confronto nacional. O Estado foi “aparelhado” com a nomeação de mais de 6.000 militares, da ativa ou da reserva, segundo constatação feita pelo Tribunal de Contas da União. Ao contrário do tão criticado “aparelhamento” pelo PT, belicamente inofensivo, o atual “aparelhamento” militar do Estado foi outro passo no sentido da sua blindagem ante seus oponentes.
Os seguidores do Presidente são frequentemente insuflados por seus arroubos e delírios, através de gestos ou citações nem sempre condizentes com a realidade. Por exemplo, sempre ele repete que “tirou o Brasil da beira do Socialismo”, frase que chegou a usar na abertura da Reunião das Nações Unidas, Nova York, 2019. Ainda impregnado de conceitos da superada Guerra Fria, não é possível que o Presidente Bolsonaro entenda que os 13 anos de governos esquerdistas do Partido dos Trabalhadores tenham sido uma ameaça comunista, sendo, pelo contrário, governos totalmente livres e de respeito ao Estado de Direito. Claro, implantou políticas de esquerda, democraticamente, embora tenha deixado banqueiros e todo o setor financeiro à vontade na exploração ao povo. Não deve Jair Bolsonaro ter a menor noção ou entendimento de países europeus, alinhados com os EEUU, serem frequentemente governados por socialistas democráticos como ocorre com Portugal e Espanha de hoje. Parlamentar que foi durante 28 anos, na Câmara Federal, não é possível que Bolsonaro não tenha tido conhecimento dos anos socialistas da França, com Miterrand; de Portugal, com Mário Soares; e da Espanha, com Felipe González. Nem dos países nórdicos com o “welfarestate”, um primo do socialismo democrático.
Em acontecimento inédito desde a redemocratização do Brasil, 35 anos depois, um Presidente da República, Jair Bolsonaro, demitiu numa só canetada, os comandantes das três forças, das Forças Armadas: General Edson Pujol, Comandante do Exército; Brigadeiro Antonio Bermudez, Comandante da Aeronáutica; e Almirante Ilques Barbosa Júnior, Comandante da Marinha. Os três haviam se reunido nesta 2ª feira, 29, após o Presidente da República haver demitido, repentinamente, num encontro de menos de três minutos, o Ministro da Defesa, General Fernando Azevedo e Silva. Azevedo sempre defendeu o posicionamento de que as Forças Armadas são instituições de Estado, não de governos que se renovam de 4 em 4 anos. Por sua vez, ele vinha prestigiando o Comandante do Exército, General Pujol. Todos foram nomeados para os respectivos postos no início do Governo Bolsonaro. O Comandante do Exército vinha sendo ameaçado de substituição pelo Presidente Bolsonaro, mediante sua resistência no envolvimento do Exército com a política, especificamente, contra o envolvimentocom o Governo Bolsonaro. No dia seguinte, 3ª feira, 30 de março, quando foi ventilado que os três comandantes das Forças Armadas iriam renunciar aos seus respectivos comandos, o Presidente Bolsonaro designou que o novo Ministro da Defesa, General Braga Netto se antecipasse ao trio lhes comunicando que seriam substituídos, numa clara demonstração de que ele, o Capitão, era quem mandava. Claro, isto é verdadeiro, mas, seu ex-Ministro, General Santos Cruz, em entrevista à TV  CNN Brasil, na mesma 2ª feira, fez severas críticas quanto às atitudes do Presidente Bolsonaro em relação ao que chamou de afronta aos comandantes demitidos e às Forças Armadas.
Recentemente, afirmou Pujol: “Política não pode entrar no Exército por uma porta senão a Disciplina e a Hierarquia saem pela porta dos fundos”. Natural de Bagé-RS, Edson Pujol, quando Comandante Militar do Sul, numa homenagem ao Exército, prestada pela Assembleia Legislativa gaúcha, em 17 de abril de 2018, numa rara entrevista coletiva, pois, o General Edson Pujol é refratário a muita conversa, questionado sobre o então candidato a Presidente da República, Capitão da Reserva Jair Bolsonaro, disse ele: “Muitas das coisas que ele defende ele aprendeu na vida militar, mas, ele não é candidato do Exército”. Na mesma oportunidade, o General Pujol afirmou que o atual momento do país (antes das eleições presidenciais de 2018) nada tem a ver com 1964 quando o governo civil de João – Jango – Goulart foi deposto. Para ele, na década de 1960 havia ameaça externa “num cenário bipolar, ocidente contra oriente”, completando: “Os brasileiros confiam mais nas instituições militares, mas não querem o país sob o militarismo”. Entrementes, sabemos hoje que essa não é a opinião do bolsonarismo.
Não existe uma unanimidade hoje nas Forças Armadas. A despeito de que Bolsonaro tenha destituído os três comandantes, e respeitado a ética militar no sentido do recebimento de listas e escolha dos novos comandantes das forças através de lista tríplice, o novo Comandante do Exército, General Paulo Sérgio Nogueira é defensor das medidas preconizadas pela Organização Mundial da Sáude no enfrentamento à Pandemia do Novo Corona Vírus, tipo o isolamento social, inclusive afirmando que a doença é hoje o nosso maior desafio. No entanto, o novo Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro Carlos Almeida Batista Junior se faz presente em rede social, já tendo feito postagem chamando Bolsonaro de “comandante supremo’, tudo que o Presidente pedia e não recebia de Pujol: “demonstração de apreço ao meu governo”.
São dois os momentos em que o sonho de Jair Bolsonaro tornar-se ditador perderam apoios, ficando mais distante.  O primeiro momento foi no seu primeiro ano de governo, 2019, em que sua assessoria militar estava em sintonia com ele e suas milícias de rua pediam por “intervenção militar” e atacavam oral e fisicamente o STF e seus Ministros, bem como o Congresso Nacional, especialmente, o ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Arrogantemente, Bolsonaro foi rompendo com quem o elegeu: o falecido Ministro Gustavo Bebiano (PSL/RJ); Ministro Mandetta (DEM/ES); o citado Maia (DEM/RJ); DeputadoFederal Alexandre Frota (ex-PSL/SP); Deputada Federal Joyce Hasselman (PSL/SP); Senador Major Olímpio (PSL/SP) eleito com mais de 6 milhões de votos e recentemente falecido de CoViD; General Santos Cruz, ex-Ministro da Secretaria de Governo; General Otávio Rego Barros, ex-Porta Voz da Presidência da República; Governador João Dória (PSDB/SP); Governador Wilson Witsel (PSC/RJ); e tantos outros.  O segundo momento foi com o recrudescimento da Pandemia, significando perda de apoio popular em face do seu mau comportamento diante das medidas de prevenção contra o Corona Virus, deboche e menosprezo pela doença, inclusive deficiência na aquisição e aplicação de vacinas. A isso agora se somam as contundentes declarações e divergências com os altos escalões militares, inclusive com o Vice-Presidente, Hamilton Mourão.
Em artigo publicado no Blog do Ricardo Noblat, na revista VEJA, o ex-Porta-Voz do Governo Bolsonaro, General Otávio Rego Barros, segundo a seção Carta Expressa, da revista Carta Capital, faz muitas críticas ao Presidente Jair Bolsonaro, começando “pela falta de amadurecimento intelectual do Presidente”, além de condenar a intenção que ele tem de “transformar o Exército em uma estrutura de apoio político o que afronta tudo o que defendem as Forças Armadas em sua atitude profissional”.
Finalmente, políticos lançaram um manifesto à Nação na noite desta 4ª feira, 31 de março, no qual alertam: “exemplos não faltam para nos mostrar que o autoritarismo pode emergir das sombras, sempre que as sociedades se descuidam ou silenciam na defesa dos valores democráticos”. Dentre outros assinam o manifestos os governadores Eduardo Leite (PSDB/RS); João Dória (PSDB/SP), Senador Tasso Jereissati (PSDB/CE); Ciro Gomes (PDT/CE); João Amoêdo (NOVO/RJ); Luciano Huck.
 Enfim, todos nós que propugnamos pelo movimento “DITADURA NUNCA MAIS”, conclamamos que as pessoas não permaneçam indiferentes e alheias às ameaças contra a Democracia, mormente sob o risco do Brasil ser destroçado por um bando de fanáticos, odientos e ameaçadores. A Pandemia aí está a causar sofrimentos aos brasileiros, mas, outros há que indiferentes a esse mal ainda intentam causar males ainda maiores.
 
 
 
 
 
 

Comente, compartilhe!