Guaxupé, terça-feira, 23 de abril de 2024
João Júlio da Silva
João Júlio da Silva PAPOENTRELINHAS João Júlio da Silva é jornalista em São José dos Campos (SP), natural de São Pedro da União e criado em Guaxupé. Blog https://papoentrelinhas.wordpress.com

Faixa de pedestres...

segunda-feira, 9 de agosto de 2021
Faixa de pedestres... Imagem: Divulgação

Estava debaixo do viaduto, deitado num papelão e coberto por jornais com manchetes tenebrosas. O cenário era imundo e sinistro. Tarde da noite chegou um homem forte, de camiseta amarela com a estampa de um monstro trazendo uma faixa corroída ao peito.
O musculoso cidadão se aproximou e fez o sinal de uma arma com a mão direita e encostou o dedo em riste na testa daquele ser marginalizado, estendido na imundície. Ouviu-se nos becos da noite o ruído do estampido de um gatilho disparado. Assustado, ele se sentou num gesto rápido e perturbado. O cidadão jogou uma camiseta amarela, idêntica a que estava usando, no rosto aterrorizado do morador das sarjetas. Em seguida, aquela inoportuna criatura saiu marchando, como se participasse de um desfile em plena escuridão da madrugada.
Ainda impactado com a visita inesperada, com a alma trêmula, o excluído das ruas vestiu a camiseta amarela com o monstro estampado e se sentiu tomado por um avassalador sentimento de poder. Num movimento autômato, se levantou e viu seu cérebro na sarjeta, se derretendo e misturando com a imundície daquele abandono. Um tremor invadiu seu corpo, que foi se transformando numa criatura com chifres retorcidos. Num instante estava de quatro, espantando as moscas com sua cauda impaciente.
Saiu bovinamente rumo a um cercadinho que avistou adiante, onde seres como ele, ruminavam uma imbecilidade descomunal, reverenciado uma criatura virulenta e aterrorizante, a mesma que trazia estampada na camiseta. Logo, estava mugindo como todos aqueles acéfalos no inóspito aprisco de horrores.
Escondida atrás de uma pilastra do viaduto, bem perto de uma faixa de pedestres, uma luz assistia a tudo, trazendo nas mãos o alvorecer de um novo dia, mas ante o cenário obscuro, ficou paralisada numa inércia tremeluzente, com o pavor estampando em seu rosto golpeado por forças sinistras e poderosas. Uma viatura encostou na calçada e a luz foi algemada e levada para diabo sabe onde.
Dos porões do obscurantismo, uma criatura esverdeada, de botas brilhantes, lustrosas, a girar um cassetete em sua mão direita, se aproximou do pau-de-arara, onde a luz se contorcia torturada, quase se apagando. O monstro, girando o cassetete, entreabriu as pernas da luz e introduziu o horror das trevas.
Ouviu-se na noite, um grito dolorido de pavor. A lâmpada do poste da rua, próximo à faixa de pedestres, explodiu e se apagou. O viaduto ficou às escuras. Às escuras...

Comente, compartilhe!